Memorial Vale da Saudade

Quando as pessoas se envergonham por chorar

Hoje em dia parece cada vez mais difícil as pessoas expressarem publicamente as suas emoções. Mesmo em situações de perdas como aquelas representadas pela morte, as pessoas se sentem constrangidas como se isso fosse um gesto mal educado. Por que isso acontece? Será que não precisamos retomar a naturalidade sobre a expressão das emoções como ocorria no passado?

Um projeto do Memorial Vale da Saudade, apresentado por Erasmo Ruiz

Introdução

Hoje vamos conversar, sobre um assunto que infelizmente está se tornando mais corriqueiro do que poderíamos imaginar. Falo o respeito de uma situação, onde fica evidênciada a dificuldade que as pessoas têm em sua maioria, de se expressarem publicamente diante da morte com emoções, por exemplo, com a expressão do choro. Muitas pessoas se dizem envergonhadas ou pedem desculpas por estarem constrangendo os outros com o choro, com o lamento, com o sofrimento.

A viúva enlutada

Bom, eu vou tentar ilustrar a partir de uma história que eu mesmo presenciei, que eu estava lá, sobre isso que eu estou tentando dizer pra vocês.

Era um velório de um professor muito famoso, o auditório central da Universidade estava lotado. Uma plateia que em tom solene mormorava com todas as vozes surpresas um acontecimento tão previsível mas que sempre vem disfarçado de insolido. A morte é na verdade uma impossibilidade que repentinamente acontece, no palco do auditório. O espetáculo da morte estava montado, no centro, o caixão guarnecido por muitas coroas. De longe dava para ver a face lívida do morto que que outros tempos nos cumprimenta de forma tão sorridente. Em volta dele cadeiras não muito confortáveis, eram apossadas pelos parentes mais próximos. O tempo passando, homenagens musicais de outros alunos, e uma expectativa crescente tomando ar. Quanto mais se aproximava o momento da despedida final.

Foi quando a viúva começou a chorar longamente, um choro muito alto, praticamente uma súplica. Neste momento, no ápice do espetáculo da dor o auditório foi tomado por um silêncio opressivo. Todos pareciam muito mais incomodados com o pranto do que com a própria morte. A Viúva então fica de pé olha o público e solenimente diz:

Por favor me desculpem, mas esse momento agora é só meu.

E o choro retornou, agora mais forte e mais alto ainda. Amparada por um séquito ela sentia-se ainda mais a vontade para lançar gritos de dor. Como se estivesse sendo cortada lentamente pela faca com fio mais agudo do mundo. Em meio a plateia ensaiavan-se estratégias de contenção. Murmurava-se por um médico que pudesse ofertar um precioso sedativo. Aquela voz terrível e desconfortável precisava ser calada. A dramatização do sofrimento mais tenso, precisava ser abruptamente interrompido.

Com que antevendo que estava por vir, ela engoliu o choro, entre soluços baixinhos, colocou os próprios óculos escuros, para esconder os olhos inchados. Recompor sua dignidade de mulher quase idosa, e vestiu a fantasia com direito à armadura e escudo. E lá sefoi ela seguindo o cortejo. No cemitério muito contida, fez apenas o gesto simbólico de jogar uma flor amarela sobre a cova aberta. Disseram que era a flor preferida do Marido.

Seres envergonhados

Esse relato, parece mostrar um pouco aquilo que eu iniciei falando pra vocês. Estive presente nesse velório e no funeral. Quando cheguei em casa fiquei a refletir sobre as enormes dificuldades que temos hoje em dia de expressar dor em público, do quanto uma certa repulsa coletiva diante da morte nos transforma em seres envergonhados, como se chorar na frente do outro, fosse um sinal de fraqueza ou então mais claramente, uma expressão de falta de modos de falta de educação.

O colapso crescente das velhas formas de sociabilidade parece nos tornar seres cada vez mais solitários. E essa solidão aparece de forma marcante. Principalmente em momentos em que a morte está presente. Os que possuem mais posses materiais, parecem sofrer mais nesses momentos. As viuvas não têm mais direito a sua catarse para exorcizar, uma boa parte da dor, para se sentirem mais apoiadas em seu sofrimento. No passado temia-se o que parecia sair da ordem. Para isso os antigos espaços que abrigavam todos juntos loucos, assassinos, crianças abandonadas, prostitutas, e todo um leque de pessoas fora do esquadro.

Era criada então a noção antiga do manicômio, do hospício, hoje, somos mais sutis, no manejo desse temor, reagir intensamente aos inconvenientes provocados pela morte preconiza a necessidade de sedativos, calmantes, chazinhos, tranquilizantes, água com açúcar en fim. Clama-se ao médico, aos curiosos e aos deuses e santos, por alguma intervenção que recoloque na estrada da sasanidade tão estranho sintoma como este de demonstrar a dor e o sofrimento ao mundo em relação à perdaque estamos vivendo.

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Naturalidade da dor e do sofrimento

Caso passe certo tempo, hoje cada vez mais curto, ficamos muito preocupados quando quem fica para trás, prende-se as lembranças do porto. É preciso então disparar um arsenal técnico de fármacos e intervenções psicoterapéuticas que em parte se assemelham às estratégias para o esquecimento como se a lembrança de quem partiu, fosse um corpo estranho a ser estipardo da nossa mente. Estamos perdendo a capacidade de conviver com naturalidade em relação às dores e ao sofrimento em contextos onde antes eles eram absolutamente naturais e esperados.

Fiquei sabendo outro dia, que a viúva dessa história também partira. Em meio às minhas esperanças e fantasias, quero que ela tenha se reencontrado com seu companheiro, e tenha ouvido dele as seguintes palavras:

Eu ouvi naquele dia teu pranto tão sofrido e também chorei por não poder te abraçar, mas agora estamos juntos novamente e aqui, temos plena liberdade para rir, e para chorar.

Objetivando o acesso a todos que não podem escutar nosso podcast, extraímos o texto para melhor aproveitamento daqueles que preferem a leitura. Caso se interesse por escutar o podcast ThanatosCast, você encontrará nas plataformas Spotfy e Google Podcasts

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