Memorial Vale da Saudade

Quando a morte é acalentada

Neste episódio vamos falar sobre o quanto é desafiador lidar com a morte trazendo um exemplo, uma história verídica que presenciei. Embora seja uma história triste, ela tem seu caráter lírico e poético ao mostrar a necessidade vital de podermos acolher as demandas de sentimentos intensos que brotam quando as perdas acontecem.

Um projeto do Memorial Vale da Saudade, apresentado por Erasmo Ruiz

Introdução

Lidar com tudo aquilo que existe n oentorno do processo da morte e no processo do morrer, é algo muito difícil. Eu posso estar dizendo pra você uma coisa meio óbvia, lidar com a morte é muito difícil, mas essa frase não é um clichê. Ela impacta de muitas formas na vida de todos nós, e temos muitas maneiras diferentes de reagir a essa afirmativa. Mas talvez um dos lugares mais difíceis pra gente lidar com a problemática da morte, seja no cotidiano dos hospitais.

Então eu vou contar uma história pra vocês que eu presenciei, embora a morte seja algo muito triste, muito impactante, isso vocês perceberão nessa história, ainda assim, a gente pode aprender muito com essas situações. Então vamos começar né?

Acolher

Ela estava feliz! O bebê nascera forte com quase quatro quilos. É verdade que a gravidez havia sido uma surpresa. Mas havia afeto de sobra, aquela segurança que permite um casal se imaginar envelhecendo.

Eram pobres. Algum sacrifício havia sido feito para que essa criança já viesse ao mundo desfrutando do conforto de um berço e de um quarto improvisado. O garoto de três anos agora dormiria mais no canto para que o berço pudesse compor o diminuto espaço mas está no centro dele.

A cesariana obrigava essa mãe a permanecer mais um tempo no hospital. Visitas vieram, todos acharam a criança linda, todos profetizaram sonhos…vai ser um jogador de futebol…vai ser doutor…vai vencer na vida! O marido tinha que voltar para casa e ficar junto com outro filho com creche logo de manhã. Partiu assobiando o hino do time do seu coração.

A noite o olhar embevecido da mãe recebe o bebê para alimenta-lo mais uma vez. As mulheres dizem que a sensação de amamentar é intensa e muito prazerosa. Ela relaxou e sem que se apercebesse adormeceu com a criança nos braços. 

Algum tempo depois ela acorda. Um grito atravessa a noite no hospital e como uma adaga dilacera a alma de quem ouve. O bebê estava entre o corpo da mãe e a cama, uma cor violácea havia tomado de assalto o rostinho corado. A criança não respirava mais.

Repentinamente o quarto está lotado. A criança estava morta já a algum tempo. Nada mais poderia ser feito por ela naquele momento. A mãe desesperada entra na mais absoluta negação. Arranca o bebê das mãos do médico e grita para que todos saiam.

A enfermeira, tentando serabsolutamente solícita, avisa:

Mãezinha o bebê morreu…temos que leva-lo

Agora a mãe ainda mais desesperada chutava quem se aproximava dela.

– Meu bebê não morreu! saiam daqui, me deixem com meu filho. Ele está com fome. Vocês não estão ouvindo ele chorar?

Alguém falou em alto e bom som que a mãe havia enlouquecido e precisava ser contida. Era um surto com certeza, uma psicose puerperal. Imagine, negar que a criança estava morta.

A mãe então recolhe-se no canto do quarto. Senta-se quase em posição fetal e baixinho se põe a acalentar o menino…uma chorosa canção para ninar a criança que já dormia. Uma enfermeira mais afoita tenta tirar a criança do aconchego da mãe e a mãe então grita:

– Me deixa com meu filho. Ele é meu! Por que vocês estão fazendo isso? Por que dizer coisas tão horríveis?

E eis que no meio das pessoas surge uma paciente em lágrimas. Com olhos brilhantes senta-se ao lado da mãe do bebê e diz a ela o quanto sua criança era linda. Ao mesmo tempo, aconchega a mãe que aconchegava o filho morto.

– Não é possível que isso esteja acontecendo…ele não morreu…ele não morreu! dizia a mãe.

– Eu sei…encosta sua cabeça na minha…quero cantar com você! dizia a paciente que agora aaconchegante chegava a mãe que aconchegante o bebê.

Por um momento ninguém mais se atreveu a dizer absolutamente nada. Eram duas mães cantando…eram duas mães acalentando um bebê morto. Foram trinta minutos que pareciam durar uma eternidade.

– Me abraça. Tu sabes o que aconteceu não sabe? Ele não morreu não…só virou anjinho.

A mãe do bebê chorava baixinho agora. Uma hora havia se passado. Agora ela estava preparada para chegar a dizer adeus…pela vida inteira. Médicos e enfermeiras foram saindo lentamente. Duas mulheres de branco agora não conseguiam mais conter as lágrimas. 

Uma delas saiu com uma estranha sensação. Tudo tinha acontecido de uma maneira muito rápida. Algo lhe dizia que tentar retirar o bebê morto das mãos da mãe havia sido algo terrível! E aquela imagem que lhe atormentava a mente, uma tatuagem no cérebro. As duas mulheres abraçadas…o bebê entre elas…um menino Jesus com duas virgens, que não teria que passar pela agonia de ser crucificado.

Está escrito que existe um tempo para viver e outro para morrer. E mesmo para morrer, existe esse tempo que é muito especial…um tempo para assimilar… um tempo para aceitar…um tempo para chorar….um tempo para escutar….para deixar que uma mãe possa acalentar o filho que já morreu!

Plano funerário Memorial Vale da Saudade
Quando a morte é acalentada 1

Desafio

Meus caros e caras, meus queridos e minhas queridas, embora essa história seja extremamente triste. Ela nos sinaliza quanto o amor de uma mãe é imenso, imenso de tal forma que nós nem podemos conseguir medir. E que lidar com a morte, é muito desafiador. Talvez o maior desafio seja de fato, acolhê-la quando ela acontece. Até porque a morte, de fato não existe, o que existe são pessoas que morrem, e aquelas que ficam, sempre impactados pela perda.

Objetivando o acesso a todos que não podem escutar nosso podcast, extraímos o texto para melhor aproveitamento daqueles que preferem a leitura. Caso se interesse por escutar o podcast ThanatosCast, você encontrará nas plataformas Spotfy e Google Podcasts

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