Memorial Vale da Saudade

Alguns Livros que nos ensinam a morrer

Existem livros com histórias emocionantes onde a morte aparece em vários contextos. Na maioria das vezes, o acontecimento da morte tem como objetivo tensionar o enredo e torná-lo mais dinâmico como ocorrem nos romances de mistério. Outras vezes serve como apelo dramático que quse sempre nos levam às lágrimas. Mas raramente, existem livros que discutem a morte em seus aspectos existenciais. Nesse episódio iremos falar sobre isso, apresentando exemplos de livros que podem nos ajudar a ter uma dimensão diferente sobre a morte e que, talvez, ao encará-la de uma forma diferente, nos ajude a morrer melhor.

Introdução

A cada contemporaneidade a morte se apresenta sob novos matizes e cabe, a cada nova geração, o trabalho de criar ou recriar formas de se lidar com ela. Essa afirmação a princípio muito óbvia, configura hoje uma situação frente às questões apresentadas pela morte ou morrer que são muito diferentes do que eram antes. Se no passado, parecia haver um conjunto de concepções de mundo, que ofereciam um suporte para apoiar o nosso enfrentamento diante arte da morte, aquilo que os filósofos chamam de “uma arte de morrer” ou “Ars Moriendi” em latim, parece que hoje em dia, essa arte se configura como um conjunto de ações e pensamentos que nos levam ao escapismo frente a tudo o que a morte pode expressar. Aqui estamos nos referindo ao problema representado pelo tabu.

Uma morte mais tranquila

Em sendo essa tese verdadeira, talvez isso nos ajude a entender por que livros como “Por um fio” de Drauzio Varella, “A última grande lição” de Mitch Albom ou “A lição final” de Randy Pausch se tornaram um sucesso de venda. Com objetivos relativamente distintos, esses títulos parecem funcionar como uma espécie, de autoajuda para que nós possamos ter uma morte mais tranquila. Essa autoajuda frente, a uma sociedade que não colocou como uma de suas metas, socializar para as pessoas a experiência da morte. Eis então um interessante paradoxo: pelo fato do tema estar interditado e está imerso no tabu este mesmo tema suplica por ser encontrado, estudado, conhecido, ou numa linguagem psicológica tradicional, desvelado. Caro leitor, se quiseres ganhar um bom dinheiro e souberes escrever, então ensine as pessoas, como morrer. Com relação à morte estamos sem rituais, as senhas não estão claras, as certezas desmoronaram.

A similaridade entre todos esses autores que citei, está nas conclusões que eles sinalizam. Para breve, vamos estar discutindo ou fazendo alguns comentários para cada um desses livros que ao seu modo são muito interessantes e importantes de serem lindos. No momento, cumpre destacar, que afirmam com todas as letras que estamos desperdiçando nossas vidas com objetivos fúteis. E a futilidade parece ser tudo aquilo que nos ensinaram a achar importante. Como, dinheiro, carreira, prestígio. Por conta desses ícones da vida contemporânea, prestamos menos atenção em nossos filhos, na natureza, em todas as muitas belezas deste mundo.

A preciosidade de pensar na morte residiria justamente nisso, ao nos lembrarmos cotidianamente de que vamos morrer. Nossas escolhas podem ser mais ponderadas no sentido de nossa experiência e nem tanto daquilo que as pessoas exigem que a gente faz. Não é esse o grande dilema por exemplo, do maravilhoso romance, “A Morte de Ivan Ilitch” de Liev Tolstói, quando o personagem em desespero descobre que a vida até aquele momento de fato, não havia sido vivida, e que o tempo para controlar o seu destino estava se escoando?

Autoajuda tanática

Caso o leitor queira desfrutar de autoajuda tanática, recomendo que se comece pela ficção de Tolstói, onde o personagem central alguém que lentamente está morrendo nos narra a sensação de abandono e a crise existencial de não ter descoberto a tempo o que desejaria ser na vida e não o que ele, pela força das convenções, acabou cedo. É muito difícil não se identificar com essa narrativa, e é por isso que muitos interrompem a leitura, para não se compromissarem consigo mesmo para mudar a própria existência.

Convido vocês a refletir sobre um pequeno trecho desse livro, não vou contar a sua história pra não cometer spoiler não é? mas convido vocês a refletirem sobre esse pequeno texto quando Ivan Ilitch se lembra das aulas, enquanto era estudante de curso de direito, onde na filosofia se pensava a reflexão sobre esse antigo axioma:

Caio, é um homem, os homens são mortais, logo caio, é mortal. Mas diante dessa afirmativa, Ivan Ilitch chegava a seguinte conclusão: Eu não sou caio, eu sou eu, um ser distinto de todos os outros, que tem sua esposa que tem seus filhos e que ama a arte que ama literatura, que não consegue ficar um dia sem ouvir uma peça de “Mozart” que absorve feliz o estar vivo diante de uma sala de aula, ou seja eu estou falando de mim mesmo né? Não me servia saber da minha condição de ser homem e por isso mortal. O desafio sempre foi elaborar, não a minha morte no sentido coletivo, mas a minha é morte pessoal.

Apesar de ser homem, apesar de tudo isso, é por isso que diante da descoberta da morte pessoal, a partir da morte do outro, tudo parece soar absurdo e muito injusto no início para logo depois levar-nos as buscas que expliquem essa grande tragédia que acontece a todos mas que nós percebemos como mais aguda no campo da nossa individualidade. Algumas explicações que negam o humano, negam caio, e negam a própria condição mortal. E tantas outras que justificam a mortalidade pessoal como destino, desígnio, benção ou estado da natureza.

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Irmão siamês

Quando eu tinha vinte anos negava em mim, essa condição de caio. Ah mas hoje, ao completar sessenta anos descobri caio como um irmão siamês. Quando ele morrer eu vou morrer junto. Estranhamente não sou mais tomado por tristeza ou revolta, mas tão somente por uma singela aceitação que me leva a usufruir, cada instante como pequenos tesouros, pequenas sonatas de piano, lindas garatujas feitas por crianças. Flores desenhadas a partir de um olhar embriagado, que absorve tudo aquilo em termos de cor e perfume que o campo florido pode me dar. Sei que o fim, um dia me aguarda, pode ser como um flash de fotografia, um passeio numa manhã radiante de sol, ou uma longa caminhada, onde ficamos com a sensação de uma doce exaustão. Um dia, saberei.

Olha pensem comigo tudo isso eu escrevi e refletir lendo uma pequena passagem no livro “A Morte de Ivan Ilitch”. Quantas e quantas coisas mais a gente não pode pensar? Quantas e quantas coisas mais podem nos ajudar a produzir uma reflexão mais saudável diante da morte, que seja algo que supere apenas e tão somente ansiedades, medos e pavor.

Viver a aventura dificílima

Feita a leitura de Tolstói, estamos assim prontos pra receber as lições de Varella, Albom e Pausch. As terríveis consequências de não se lidar com a morte se apresentarão com uma nitidez avassaladora. A virtual constatação, de uma mediocridade de existência poderá então nos levar a simplesmente viver a aventura dificílima, mas ao mesmo tempo maravilhosa, de tentarmos juntos, com a miríade de outros seres humanos, sermos nós mesmos, como nos ensinava Mário Quintana. Termino essa reflexão, portanto com as palavras do nosso querido poeta gaúcho:

“As outras crianças uma queria ser médica, outro pirata, outro engenheiro, ou advogada ou então general. Eu, queria ser pajem medieval. Mas isso não é nada, hoje, eu queria ser uma coisa mais louca, eu queria ser, eu mesmo !”.

Objetivando o acesso a todos que não podem escutar nosso podcast, extraímos o texto para melhor aproveitamento daqueles que preferem a leitura. Caso se interesse por escutar o podcast ThanatosCast, você encontrará nas plataformas Spotfy e Google Podcasts

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