Memorial Vale da Saudade

O que você espera das pessoas que estão morrendo?

Nesse episódio vamos discutir o sentido de nossas expectativas sobre o comportamento de outras pessoas. Esperamos o tempo todo que as pessoas se comportem em função do esperamos delas. Qual é a expectativa que temos de uma pessoa rotulada como “paciente terminal”? Qual é a sua expectativa?

Um projeto do Memorial Vale da Saudade, apresentado por Erasmo Ruiz

Introdução

Você já parou para pensar sobre as expectativas que nós temos das pessoas que estão morrendo em leitos de hospital? Na verdade existe uma expectativa que é socialmente difundida e eu vou explicar pra vocês porque que isso, em algumas situações, é muito ruim. Mas antes vamos entender o sentido que eu estou dando a palavra expectativa.

Expectativa normativa

Há alguns anos o sociólogo canadense Erving Goffman construiu o termo “expectativa normativa”. Então o que que isso quer dizer? Que quando nós estabelecemos interações com outros seres humanos a gente vai criar expectativas dos comportamentos dessas pessoas dentro de determinados contextos ou cenários. É isso, fundamentalmente, que vai permitir grande parte da vida em sociedade. Na medida em que ao observarmos as pessoas em seus contextos não nos questionamos sobre o sentido do que fazem.

Imagine por exemplo se entrássemos sempre em questionamentos crônicos se o vendedor de sapatos é de fato um vendedor de sapatos ou se o médico que nos atende em um hospital de fato é um médico. O tempo todo nós agimos e sofremos a ação de outros seres humanos com base na identidade que temos uns dos outros. Isso implica que na perspectiva desse mesmo sociólogo nós produzimos interações com base nos papéis que exercemos, o que pode algumas vezes colocar em questão o sentido que possui em nossas identidades para nós e os outros e seus papéis se atendem mesmo aquilo que a gente tem como expectativa. Quando isso não ocorre alguma coisa errada vai se expressar.

Assim parece que existe um script, uma forma padronizada de se comportar que a sociedade dita para mulheres casadas, pessoas solteiras, sacerdotes, militares, terapeutas, professores, filósofos, operários. Não satisfazer essas expectativas que temos do exercício dos nossos papéis, em determinadas situações, provoca estranhamentos e até imposições para que os papéis sejam exercidos de uma maneira considerada normal pelas pessoas.

Fica fácil entender o que eu estou dizendo quando a gente pensa no seguinte exemplo que eu vou falar pra vocês: Imagine que você chegou na igreja pra assistir uma missa e de repente o padre que vai oficiar essa missa entra na igreja vestindo uma camiseta regata laranja com um short verde abacate chinelão no pé segurando uma prancha de surf e aí começa a rezar a missa. Obviamente que isso vai chocar as pessoas; eu até diria provavelmente parte das pessoas que estão na igreja se levantarão e irão embora. Simplesmente porque elas não tiveram a expectativa que tem de um padre na igreja atendida.

O papel diante da morte

Assim, ao que parece, temos uma expectativa normativa de como se deve comportar as pessoas que estão morrendo (Aí chegamos ao ponto que eu quero discutir com vocês). Se nós exercemos vários papéis em sociedade um dia nós teremos que exercer o papel de alguém que de fato está morrendo. Só que esse papel não é como no teatro onde a gente simula um personagem, esse papel será representado de uma forma real numa situação que de fato é real. E olha só qual é a expectativa que temos de uma pessoa que esteja morrendo? É que ela seja submissa à vontade da equipe, que sua vulnerabilidade física e mental comprometa seus desejos e julgamentos que ela faz na realidade. O que tornaria seus cuidadores surdos frente a determinadas necessidades que parecem não condizer com o papel de uma pessoa que esteja morrendo.

Como uma pessoa à beira da morte se atreve a querer ir ao estádio de futebol para ver seu time na decisão de um campeonato? E o idoso completamente vulnerável não entende que seu lugar é no leito de UTI e não na formatura do bisneto? E a atriz de teatro com esclerose múltipla que insiste em assisitr a montagem de uma peça que ela gosta tanto; será que ela não percebe que seu lugar é na cama? A espera da morte? Estamos acostumados que as pessoas que estão morrendo exerçam papéis complacentes e sem que nos apercebamos nós preparamos um dia para representar o nosso papel da mesma maneira. Afinal a morte é considerada uma coisa feia e nós nos tornaríamos feios com ela. Não devemos dar trabalho, não podemos constranger as pessoas com essa imagem terrível. Mas em algumas situações isso não vai acontecer.

Plano funerário Memorial Vale da Saudade
O que você espera das pessoas que estão morrendo? 1

Desejos e necessidades

Lembrei aqui de um do caso de um senhor de cinquenta e seis anos que estava morrendo de câncer no hospital. Ele foi rotulado portanto como um paciente terminal e a expectativa que que se se teria dele eles se comportassem de forma passiva. Mas ainda assim ele queria levar sua filha ao altar em um casamento há muito tempo desejado. Para isso
contou com a ajuda adequada de profissionais preparados tecnicamente e sensíveis às suas necessidades.

Nenhum aparato gigantesco foi mobilizado. E o custo financeiro ficou ficou muito longe das dispendiosas práticas de exames desnecessários que muitas vezes as pessoas fazem sem sentido algum. Aqui e ali despontam os pacientes que percebem novas possibilidades de se viver intensamente até o fim. Pode ser uma grande viagem que ainda não foi realizada, uma tarefa importante não cumprida ou mesmo uma tarde de verão ao lado quem se ama e não se via há muito tempo. A vida pode pulsar de alegria se a dor estiver sob controle. E as pessoas perceberem que novos papéis podem ser representados em velhos palcos, basta que a gente incorpore o personagem humano que vive em nós e o preparemos para a derradeira estreia que acontecerá algum dia.

Temos que nos preparar para o fim, mas ao mesmo tempo enquanto esse fim não chega, temos que zelar pelo fim de quem nós amamos e sempre que possível respeitar desejos e necessidades dessas pessoas. Principalmente quando o dia da partida se torna cada vez mais próximo. Existe possibilidade de se morrer dessa maneira mas isso é conversa para continuarmos em outro momento.

Objetivando o acesso a todos que não podem escutar nosso podcast, extraímos o texto para melhor aproveitamento daqueles que preferem a leitura. Caso se interesse por escutar o podcast ThanatosCast, você encontrará nas plataformas Spotfy e Google Podcasts

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