Memorial Vale da Saudade

O luto se encerra?

Texto extraído do podcast Thanatocast. Caso se interesse por escutar-lo, você encontrará nas plataformas Spotfy, Google Podcasts

Um projeto do Memorial Vale da Saudade, apresentado por Erasmo Ruiz

O Luto se encerra, ele fecha o ciclo?

É uma uma coisa muito comum ainda, não mais entre os psicólogos, mas entre pessoas que assimilaram determinados traços da cultura psicológica no passado. Por exemplo a ideia de que o luto tem estágios, eu brinco dizendo que realmente o luto tem estágios, né? Aquilo que você era antes de perder alguém que você ama e aquilo que você vai se tornando depois que você perdeu. Então aquela coisa bonitinha de primeiro uma coisa, depois outra, depois outra, depois outra, rigorosamente não existe. O processo de luto é algo que vai te acompanhar a vida inteira, ponto.

Nossa, quem tá me ouvindo agora, professor, pelo amor de Deus, quer dizer que eu vou tá sentindo essa dor terrível a vida toda? Não é isso que eu tô dizendo, mas o o desafio que você vai estruturar com todo o teu processo de luto é criar vida no entorno da sua dor. Ela não vai desaparecer completamente mas ela vai estar com tanta vida em volta dela e quando você menos percebe a pessoa que não conseguia namorar ela volta a namorar, a pessoa que não conseguia sentir prazer pelo trabalho, ela volta a ter algum prazer.

E isso não invalida?

Isso, não é porque ela deixou de ter amor, sentimento, não é que ela deixou de sofrer. Mas a dor e o sofrimento lá permanecerão e em algumas circunstâncias vai ser como um ferimento de guerra. Então é aquela história, a pessoa teve um ferimento grave de guerra foi curada e tal mas de vez em quando a perna dói só que a perna não tá mais lar, a famosa dor fantasma, de repente acorda no meio da noite com a sensação de que tava num campo de batalha de novo, se abrigando numa trincheira.

O luto é um pouco isso, é alguma coisa que de vez em quando vai voltar, vai voltar como? Na data de um aniversário, vai voltar como? No momento em que pode tá acontecendo uma festividade de Natal e você vê que aquela cadeira ou ela tá vazia ou ela tá ocupada por outra pessoa, no momento em que você deixou o lar onde convivia com o ser amado, por exemplo. Pode aparecer no momento que você for ler um velho álbum de fotografias. Pode aparecer no momento em que você passa o dedo pela sua estante de livros e lá no meio redescobre aquele livro de poesia que a pessoa amava recitar pra você. É um rastro, e não é um negócio que a gente possa controlar e ainda bem que não pode porque se expressa a nossa condição de ser humano.

Mas o grande barato disso tudo é que essa dor não vai ter muito provavelmente um impacto imobilizador da vida como tem no momento mais próximo da perda porque a sensação que a gente tem é de que não vai conseguir mais viver, de que puxaram um tapete, de que o mundo tá de ponta cabeças.

Plano funerário Memorial Vale da Saudade
O luto se encerra? 1

Sentar com a dor

Eu diria que eu acho que tem um momento em que a dor ela se senta no nosso coração, ela continua ali com aquele espaço mas ela está sentada. Há momentos que talvez ele fique um pouco congente em relação a alguns algumas datas, alguns momentos específicos que traz alguns gatilhos, algumas lembranças mas ela conseguiu uma acomodação dentro do coração.

Aquela velha música, naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim. Na verdade o desafio que o luto nos coloca é colocar a pessoa de novo nessa mesa, mesmo sabendo que ela não mais está do nosso lado pra dividir o cafezinho, tomar um copinho de cerveja ou simplesmente jogar uma conversa fora. É como se na verdade nós chamássemos a dor. Essa ideia de sentar eu acho isso superlegal também, a ideia, por exemplo, de que a gente possa, por exemplo, aprender a conversar com ela, reconhecer que ela vai estar com a gente e saber de alguma forma mecanismos, não de evitação de dor,
mas de encontrar momentos melhores pra que você possa de fato, aí sim fazer a reunião com ela e colocar as novidades em dia, cada um vai ter um ritmo diferente pra fazer isso.

Um projeto do Memorial Vale da Saudade, apresentado por Erasmo Ruiz

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