Memorial Vale da Saudade

Que céu nós queremos?

Certa feita ouvi duas crianças conversando numa sala de espera de um consultório pediátrico. Deveriam ter entre cinco e seis anos. O tema era a morte.

– Meu cachorrinho morreu.

– Você ficou triste?

– Eu fiquei sim. Mas ele foi para o céu.

– Mas como ele saiu voando se ele estava morto?

– Não, não foi assim, foi a alma dele, uma coisa que vivia dentro dele e que foi embora quando ele morreu.

– Ah, minha mãe já me falou dessa história de alma. Acontece a mesma coisa com a gente, sabia?

– Eu sei. E quando a gente morrer vamos para o céu.

– Sério? Então vamos contar estrelas? 

Plano funerário Memorial Vale da Saudade
Que céu nós queremos? 1

– Talvez, mas é como se a gente tivesse em outro lugar. 

– E o que vai ter nesse lugar?

– Não me falaram sobre isso. Mas eu acho que vai ter tudo o que tem aqui.

– Tudo? Ah, tudo eu não quero.

– Por que?

– Eu não quero ter que levantar cedinho pra ir na escola. É muito chato. Também não quero tomar injeção nem ter que ir à casa da minha avó antes de ir ao Shopping.

– Nossa, será que vai ter escola no Céu?

– Se disseram para você que vai ter tudo o que tem aqui….

– Olha, esse negócio de morrer não é legal. Se esse céu tiver tudo que tem aqui, vai continuar também as coisas ruins. Eu não quero não!

– É simples resolver então.

– O que a gente vai fazer? 

– Ora, é só não morrer e pronto. Esse lugar a gente conhece, vai saber se o céu é pior.

Ainda meio tonto pelo diálogo, fomos chamados para a consulta do meu filho. Enquanto discutia com o médico os sintomas de uma presumível virose, fiquei martelando o cérebro sobre aquela conversa toda. lembrei-me então do poema “Morte Absoluta” de Manoel Bandeira que nos ilustra as muitas mortes que podemos ter.

Lá pela metade do poema, ele nos afronta com a dúvida sobre o céu:

“Morrer sem deixar porventura uma alma errante…

A caminho do céu?

Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?”

Já pensaram em responder a essa pergunta? As crianças encontraram uma resposta a partir de sua negação da morte, empoderadas que ainda estavam por verem na morte algo que pode ser objetivamente controlado.

Mas nós adultos nos deparamos com nossa verdade misteriosa. Não há como contornar a morte. Então, o que virá? O nada? Um lugar pior ou melhor do que esse? Se existir algo que podemos pensar em chamar de céu, isso pode satisfazer o nosso sonho de céu como pergunta o poeta?

Um dia saberemos…ou não.

Erasmo Ruiz

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