Memorial Vale da Saudade

Uma foto amarelada

A alguns anos sai feliz com minha família para almoçar, um almoço especial porque era Páscoa. Na mesa ao lado, uma outra família ralhava com as crianças sobre os ovos, que tinham sido muito caros e que elas deveriam dar mais valor ao gesto dos pais. A menor, por volta dos 5 anos, impelida pela sinceridade tipicamente infantil disse que o chocolate era horrível o que levou a mãe dar-lhe um forte beliscão. 

Pronto, ouvimos uma sinfonia de choros e gritos particularmente perturbadores, nem tanto pelo barulho em si, mas pelo significado. Uma data potente de vida foi esvaziada pelo consumo e pela valoração de coisas caras e a obrigação de termos que gostar delas essencialmente pelo valor monetário.

Lembrei-me então de uma coisa. Chegará o dia em que seremos; se tivermos sorte, apenas uma imagem amarelada num porta retrato em cima de uma mesa formada por um “cemitério” de outras imagens. Até que então chegue uma nova geração que veja nessas fotos um entulho a ser removido pois nem mais se lembram dos nomes daqueles rostos perdidos no tempo. 

Plano funerário Memorial Vale da Saudade
Uma foto amarelada 1

Não escrevo essas coisas com a intenção de entristecer ninguém. Escrevo apenas para lembrar que a morte mostra para nós que tudo é transitório e que muitas vezes desperdiçamos a poesia do instante e a doce música do presente discutindo trivialidades vazias. 

A vida ensinou-me, principalmente depois de ter vivido um câncer, de que só vale a pena entrar numa discussão por uma boa causa e que as boas causas são mais raras que trevos de quatro folhas. 

Quando você for uma fotografia amarelada, será muito tarde para concluir que a vida que vale a pena viver é aquela onde podemos dar o real valor às coisas que temos de mais importante.

Erasmo Ruiz

Carpe Diem

0 0 votes
Article Rating
Subscribe
Notify of
guest
0 Comentários
Oldest
Newest Most Voted
Inline Feedbacks
View all comments