Nesse episódio vamos falar sobre a compreensão acerca da morte pela criança, baseada em diversas faixas etárias.
Sumário
Texto do episódio
Neste mês de outubro vamos conversar sobre o luto infantil. Falamos muito sobre luto, mas pouco sobre o luto da criança e suas percepções sobre a morte. Como a criança entende a morte? É indicado levar uma criança ao velório? Como dar a notícia de que alguém próximo a ela morreu? Como é o luto infantil? Esses assuntos serão tratados neste e nos próximos posts.
Nós compreendemos a morte a partir daquilo que aprendemos com os adultos. Se os adultos mostram para a criança a morte sendo algo assustador, horripilante, como você acredita que ela vai compreender o fenômeno? Quando ela se tornar adulta, qual será a relação dela com o tema? Possivelmente ela terá medo da morte, medo de perder as pessoas que ama e pode ter muita dificuldade na vivência de um luto.
E se ela crescer em uma família em que a morte é tabu, ninguém fala sobre o assunto e também não fala sobre quem já morreu? Ela vai crescer sem entender, sem ter um “repertório” sobre o assunto, e quando vivenciar uma perda, poderá se sentir completamente perdida, assustada e sem saber comunicar suas dores e dificuldades acerca da perda, afinal, esse era um assunto proibido na infância.
Mas e se essa mesma criança for instruída sobre a naturalidade da morte? Se ela perceber em sua família o amor por quem se foi, entender a importância das homenagens, da manutenção da memória… Você pensa que ela pode vivenciar o luto de forma mais natural quando passar por uma situação de perda? Aqui não estou dizendo que a compreensão da naturalidade da morte vá tirar a dor de uma perda importante. O que quero dizer é que essa pessoa estará melhor preparada para lidar com esse momento.
Claro que tudo depende de diversos fatores e não há como generalizar, mas a tendência é de que quanto mais a pessoa entende a morte como um processo natural da vida, mais ela terá ferramentas para lidar com seu próprio trabalho de luto quando acontecer.
É importante saber que a criança tem uma capacidade de compreensão sobre a morte compatível com sua idade.
Até os dois anos, a criança não tem compreensão intelectual da morte. Ela sente a ausência, poderá procurar pela pessoa que morreu, inclusive protestando por algum tempo quando essa pessoa não aparece mais. Ela pode ficar mais chorosa, fazer birra.
Dos três aos cinco anos, essa percepção vai sendo modificada. Crianças nessa faixa etária são literais e não conseguem compreender que a morte é irreversível. Para ela, é como nos desenhos: morre, mas pode “des-morrer”.
Apesar disso, elas já conseguem perceber que algo está errado quando alguém morre, portanto, explicar a morte de forma simples (porém paciente e amorosa) para essa criança é muito importante. Pode-se inclusive – e é até indicado, que conte que a pessoa morreu. Sim, a palavra morte é autorizada.
Pode ser que a criança pergunte sobre a pessoa que morreu diversas vezes e durante muito tempo após a morte. É preciso ter paciência e respondê-la quantas vezes forem necessárias. Esse é um conceito complexo e difícil de compreender nessa fase.
De forma geral, evite dizer para as crianças coisas como “ele viajou”, “Deus chamou para morar com Ele”, “ela nos deixou”, ou “está dormindo para sempre”. Crianças podem ter dificuldade em entender metáforas, principalmente as menores, então dependendo do que for dito, ela pode criar expectativas de uma possível volta ou ainda, desenvolver alguns medos por conta disso.
Vou trazer alguns exemplos para ficar mais fácil a compreensão. Ela pode começar a ter muito medo de dormir por acreditar que é assim que se morre, já que quando o avô morreu, ouviu que “o vovô está dormindo para sempre”, ou ter medo de Deus que leva as pessoas que ela ama embora, ou demonstrar ansiedade exacerbada quando alguém próximo precisa viajar porque alguém disse a ela que “o irmãozinho viajou”, e já que o irmãozinho não voltou mais, essa pessoa também não voltará.
Evite dar muitas informações de uma só vez. Responda somente ao que for perguntado, evitando detalhes, exceto se a criança trouxer dúvidas mais específicas para você, então você pode decidir como responder.
Por volta dos 6 aos 9 anos, as crianças passam a entender que a morte é irreversível, mas ainda não entendem que é inevitável. Nessa fase você pode reforçar a informação de que a morte da pessoa é irreversível, sempre com cuidado e carinho.
Você pode usar, por exemplo, a morte de um animal de estimação para que ela compreenda melhor o conceito. Pode ser que nesta fase a criança comece a questionar sobre a própria morte e sobre a morte das pessoas próximas. Você pode explicar que a morte é natural, faz parte da vida, e que de forma geral vivemos muito tempo, mas é importante não fazer promessas que não temos como cumprir. Essa pode não ser a conversa mais fácil de se ter com uma criança, mas é importante que aconteça se ela trouxer os questionamentos para você.
Acima dos dez anos a criança já começa a compreender também a inevitabilidade da morte. Aqui essa criança já começa a compreender questões explicações mais filosóficas e científicas acerca da morte, e ela pode começar a ter alguns questionamentos existenciais. Incentive a criança a tirar dúvidas, caso tenha, mas respeite o espaço dela. Algumas crianças podem demonstrar mais curiosidade ou abertura para conversar, enquanto outras podem preferir ficar mais quietinhas. De toda forma, mostre-se disponível para quando ela quiser conversar.
De forma geral essas conversas sempre serão difíceis, principalmente quando é para conversar sobre a morte de alguém próximo, tanto da criança, quanto de quem está ali com ela.
É importante que essa seja uma conversa honesta e aberta, mas ao mesmo tempo, cercada de empatia e cuidado, compreendendo os limites da criança. A honestidade nessa conversa, pode evitar confusões no futuro, porque estará possibilitando a criança, dentro da capacidade dela naquele momento, de poder viver o luto e compreender a morte como natural desde muito cedo.
Use uma linguagem fácil para que ela compreenda, e busque na sua fala, no seu tom de voz, trazer conforto naquele momento.
Além disso, a validação dos sentimentos da criança é primordial. É importante que ela saiba que está tudo bem em se sentir triste, com saudade, com raiva, confusa, e que ela tem com quem contar quando esses sentimentos aparecerem ou se ela tiver alguma dúvida.
Hoje existe no mercado diversos livros infantis que falam sobre a morte e o luto para diversas faixas etárias e que podem ser usados como facilitadores dessas conversas. Alguns filmes e animações também podem ser bons recursos para trazer para os pequenos.
Quero abrir aqui um parênteses em relação às idades. As idade que falei aqui, são aproximadas. Cada criança é única, assim como suas vivências, suas experiências, contexto social e cultural, e isso faz com que os conceitos apresentados sejam desenvolvidos mais ou menos rápido, então não é uma regra. Olhe com carinho para a criança, compreenda onde ela está para então abordar o tema da melhor forma.
Assim como os adultos, crianças precisam de apoio, carinho e cuidado em seus lutos também. A morte pode ser um conceito bem confuso para as crianças, por isso é importante respeitar o tempo de cada uma, o processo delas em lidar com as informações recebidas e com a morte em si, e está tudo bem se elas não compreenderem tudo de imediato.
No tempo delas, elas entenderão.
Como ter ajuda?
Se você está percebendo que precisa de ajuda, se está muito difícil, mais uma vez te digo, busque ajuda, O Memorial Vale da Saudade pensando em como ajudar na coletividade conta com programas de apoio ao enlutado mensalmente, portanto, se você ou um ente querido está vivenciando essa dor pela perda de alguém que você muito ama saiba mais sobre nossos programas clicando aqui.
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Objetivando o acesso a todos que não podem escutar nosso podcast, extraímos o texto para melhor aproveitamento daqueles que preferem a leitura. Caso se interesse por escutar o podcast Vale Lutar, você encontrará em diversas plataformas de áudio.
Conheça o Memorial Vale da Saudade e tenha toda a tranquilidade que você precisa!
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