Memorial Vale da Saudade

Tentando entender o luto pelo meu pai

Neste episódio vamos falar sobre o luto pela morte do pai, sobre a importância de refletir a respeito de quem queremos nos tornar a partir dessa perda, trazendo também algumas possibilidades que podem te ajudar a viver seu luto de forma mais saudável.
Link do Instagram da Teresa Gouveia: https://www.instagram.com/lacoselutos_/

Um projeto do Memorial Vale da Saudade, apresentado por Priscila Gauna

Texto do episódio

Quero começar a postagem de hoje com o trecho de um texto, que fala sobre o luto e que achei de uma sensibilidade poética tão grande que resolvi trazer aqui:

“A morte chega em nossa casa, num dia qualquer, interrompe um projeto, engaveta sonhos, esvazia os abraços, emudece a voz, silencia os passos. Sua chegada não pede grandes acontecimentos, se espreita pelos cantos da casa em horários corriqueiros – após o jantar, dormindo, antes do amanhecer, vendo um programa de TV, no meio de um filme, esperando o almoço de domingo – sem cerimônias, uma visita certa, mas ainda assim intrusa. A notícia alardeia, assusta, desses espantos que acontecem quando somos tomados por notícias inesperadas. A casa se enche, vizinhos, familiares e amigos, surpresos, nos dizem palavras que nosso coração, esperançoso de viver num distanciamento confortável das separações, não assimila. Pouco ajudam frases como “ele está melhor agora” ou “você tem de ser forte”, simplesmente porque precisamos de tempo para que o pensamento convença o coração sobre a vida, suas chegadas e partidas. Os dias passam, a casa esvazia, as pessoas retornam à vida. As flores secam em nosso quintal, faltam mãos para as simplicidades do cotidiano, o cheiro do café desaparece, as roupas empilhadas não encontram sol, a poeira faz moradia nos móveis, sobramos nos vazios silenciosos deixados por quem se foi. Nossos pés fazem paradas longas na cama, os olhos vazam paredes fazendo perguntas que aceitariam respostas que nos restituíssem ao dia de ontem, que nos devolvessem um lugar que não é mais nosso”.

Teresa Gouveia

Um obrigada a Teresa por esse texto tão lindo.

O pai é tema de estudo dentro da psicologia há muito tempo. A psicanálise que o diga! E o motivo disso é pela compreensão da importância que o pai tem para a estruturação psíquica do indivíduo. E falando aqui bem a grosso modo sobre o tema, podemos entender que uma pessoa com boa estruturação psíquica é uma pessoa que pode ser mais equilibrada, ter uma boa organização mental, pode ter uma maior resistência ao stress, lembrando que, essa boa estruturação mental é multifatorial, ok? Não depende só do pai, são vários fatores responsáveis por isso.

E eu trouxe essa informação para mostrar de uma outra forma aquilo que o coração já sabe: o pai pode ser uma pessoa de muita importância na vida dos filhos.

Sabendo dessa importância, podemos pensar, claro, que quando acontece a morte desse pai, mudanças muito profundas podem acontecer na vida do enlutado.

O que se perde então quando o pai morre?

Quando o pai morre, parte de você morre junto. Morre um pouco daquela parte chamada filho
ou filha, morre parte das suas histórias que só seu pai sabia, daquelas vivências tão importantes de vocês dois.

O luto traz em si a perda concreta, ou seja, a morte do pai, mas também as perdas simbólicas. Você pode sentir que perdeu a sua segurança, tanto a segurança de mundo, daquilo que você espera que aconteça, de como você imagina e acredita que a vida será, mas também pode ser que seu pai fosse a figura que te remetesse a essa sensação de segurança: “meu pai está aqui, tudo está bem”.

Nesse momento de dor, você pode se perguntar onde buscar amparo, se quem te amparava
não está mais aqui. Será necessário se redescobrir no papel de filho ou filha:

  • Quem sou eu nesse mundo sem meu pai?
  • Existe como exercer o papel de filha ou de filho de um pai que já morreu?
  • Quem vou me tornar a partir de então?

A ausência desse pai se faz presente a cada momento, em cada novidade que você viver, cada vez que seu carro fizer um barulho estranho e você não souber o que é, cada situação em que se sentir desamparado ou desamparada e sentir que precisa de um conselho, você não poderá simplesmente ligar e conversar com seu pai.

Essa configuração de vínculo foi quebrada, você precisa ressignificar esse vínculo.

O luto é uma vivência muito individual e única, e se você já nos acompanha, você provavelmente já me ouviu falar sobre isso em algum momento.

Dessa forma, seu luto não deve ser comparado com o luto de ninguém mais. O seu, é seu. E se em algum momento você ouviu alguém dizer que o luto não acaba e se assustou com a informação, te digo: realmente, ele não acaba, mas isso não quer dizer que você vai sofrer para sempre da mesma forma. O trabalho de luto é um trabalho árduo, num caminho muito possivelmente longo, mas que vai te ajudando a se reorganizar dentro dele.

É muito comum ouvir relatos de pessoas que sentem que deram um passo para frente e diversos passos para trás. Essa vivência é natural e esperada. Na verdade, não é que você dá um passo para frente e vários para trás. É mais um movimento de oscilação, sabe? E essa oscilação é necessária. Se imagine olhando para a direita e depois para a esquerda: são momentos em que o enlutado olha para sua perda e vive sua tristeza de forma profunda, ou desespero, raiva, mas também momentos em que ele volta seu olhar para o outro lado, para a vida, para a rotina, para a construção de novos planos, para retomada de atividades que gosta de fazer.

Quer um exemplo simples? Pode ser aquele um dia (o primeiro) sem chorar e no outro chorar copiosamente ao se lembrar que não chorou no dia anterior.

É importante buscar viver seu luto da forma mais saudável possível. E qual é essa forma? Isso é você quem vai descobrindo no caminho. E eu não vou mentir e dizer que será fácil. Você já sabe que não é.

Ao mesmo tempo, tem algumas coisas que podem te ajudar a lidar com ele.

  1. Tenha atenção aos seus sintomas físicos. Sim, o luto pode trazer sintomas físicos que podem até assustar em alguns momentos. Tem pessoas que dizem que sentem falta de ar, outras sentem dores no peito, taquicardia, dores no estômago, dores pelo corpo, e é importante que esses sintomas sejam investigados de acordo por um médico. Não ignore os sintomas por acreditar que sejam reflexos do luto. Pode ser que sim, pode ser que não. Não se descuide de sua saúde.
  2. Busque o apoio de sua rede. Aceite ajuda caso necessário. Sei que para algumas pessoas pode ser muito difícil, mas peça ajuda quando não estiver dando conta. Rede de apoio pode ser a família, podem ser os amigos, pode ser a comunidade religiosa, pode ser um grupo de apoio, pode ser o psicólogo. É importante ter com quem contar.
  3. Evite tomar decisões importantes nos momentos de maior tristeza, ou nos períodos que sente que são mais críticos. As chances de se arrepender das decisões tomadas são grandes. Se formos pensar em um exemplo, eu diria sobre os pertences pessoais. Muitas vezes, na hora do desespero a pessoa acredita que se desfazer de todos os pertences pessoais de quem morreu vai aliviar a dor e no entanto, não ter um item daquela pessoa pode causar grande tristeza e arrependimento depois. Existem outras questões que também precisam de cuidado, como venda de imóveis, automóveis, decisões financeiras, estudantis e profissionais.
  4. Fale. Se faz sentido para você, conte a história do seu pai, conte a história de vocês, conte das lembranças mais bonitas, diga o nome dele. Pode ser importante para te ajudar a elaborar o luto de forma saudável. Encontre um espaço onde falar dele é bem vindo. Algumas pessoas não encontram esse espaço para fala junto à sua família ou amigos, neste caso, o grupo de apoio ou acompanhamento psicoterápico pode ajudar.
  5. Cultive as boas lembranças, você não precisa esquecer nada do que viveu pelo fato de seu pai ter partido.
  6. Aceite seus sentimentos como naturais. Somos seres humanos e como tais, podemos, em alguns momentos perceber sentimentos dos quais nos envergonhamos ou não queremos sentir. Aceite e entenda o papel dele ali naquele momento para que você possa trabalhá-lo ou deixá-lo ir.
  7. Pratique a autocompaixão. Cuide de si mesmo como cuidaria de uma pessoa muito querida que estivesse vivendo essa mesma situação.
  8. Tenha uma rotina. Pode ser que no começo você só consiga ter horários definidos para algumas atividades simples, como se alimentar, se levantar ou se deitar. Já é um passo. Com o tempo, incorpore outras atividades – pode ser algo leve, pode envolver autocuidado e que faça sentido para você no momento. Pode ser escrever um diário, fazer meditação, ioga, dança, tomar um pouco de sol, fazer caminhadas, ouvir músicas que te façam bem, ler, criar um mural de fotos, cuidar do jardim ou das plantas de seu pai, fazer atividades que costumavam fazer juntos.
  9. Pode ser que ocupar a mente te ajude, mas tenha cuidado com excessos. A ideia aqui não é fazer você esquecer seu pai ou esquecer o que você sente. A ideia é te ajudar a construir possibilidades para elaborar seu luto da melhor forma.
  10. Converse com seu pai se isso fizer sentido para você. Em voz alta ou só em pensamentos. Imagine o que ele te responderia. Os conselhos que daria.
  11. Cultive a espiritualidade, independente da sua religião. A espiritualidade pode ser um fator importante na sua jornada.
  12. Evite o consumo de medicamentos sem prescrição, abuso de álcool e outras substâncias. Pode ser que você sinta como se precisasse amortecer a dor que está sentindo, mas essa anestesia é temporária e os sentimentos voltam à tona depois, com os prejuízos que podem advir das consequências do abuso desses itens.
  13. Evite se isolar demais. Ter um tempo seu pode ser importante, mas se isolar completamente, pode ser prejudicial para a elaboração do luto.
  14. Se perceber que tem tido pensamentos sobre querer morrer, ideias sobre suicídio, busque ajuda. Fale com alguém de sua confiança e busque acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Você merece e precisa ser cuidado ou cuidada.
  15. Se sente que não está conseguindo lidar com tudo isso sozinha ou sozinho, busque ajuda. Essa ajuda pode ser através de um grupo de apoio, onde as pessoas que estão ali, estão vivenciando situações semelhantes à sua e poderão compreender seu momento, pode ser através de acompanhamento psicológico e caso necessário, inclusive acompanhamento psiquiátrico. Você não precisa lidar com tudo sozinha ou sozinho.

O Cemitério Memorial Vale da Saudade conta com o Vale Lutar, que é o projeto que dá nome a esse podcast e também ao nosso Grupo de Acolhimento online que acontece semanalmente. Para finalizar, trago uma frase que ouço desde que era pequena:

“Não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não para para que você o conserte.”

Veronica Shoffstall

Em alguns momentos, saber disso pode causar raiva, tristeza, sensação de impotência. Em outros, pode ser reconfortante saber que a vida segue.

Conseguir viver sua vida não quer dizer que está esquecendo de seu pai. Não se culpe caso consiga se divertir em alguns momentos, queira encontrar com amigos, consiga aproveitar um encontro amoroso. Viva seu luto da forma como consegue. Abrace sua tristeza, aceite-a. Da mesma forma, quando a alegria vier, abra espaço. Será importante para você.

Como ter ajuda?

Se você está percebendo que precisa de ajuda, se está muito difícil, mais uma vez te digo, busque ajuda, O Memorial Vale da Saudade pensando em como ajudar na coletividade conta com programas de apoio ao enlutado mensalmente, portanto, se você ou um ente querido está vivenciando essa dor pela perda de alguém que você muito ama saiba mais sobre nossos programas clicando aqui.

Objetivando o acesso a todos que não podem escutar nosso podcast, extraímos o texto para melhor aproveitamento daqueles que preferem a leitura. Caso se interesse por escutar o podcast Vale Lutar, você encontrará em diversas plataformas de áudio.

Conheça o Memorial Vale da Saudade e tenha toda a tranquilidade que você precisa!

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Você acrescentaria algum ítem nessa lista de coisas que podem ajudar a viver o luto de forma mais saudável?

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