No primeiro episódio do mês de agosto – em que vamos falar sobre o luto pelo pai, trago reflexões relacionadas ao luto causado pelo abandono afetivo paterno, algumas particularidades e consequências que essa vivência pode causar na vida de uma pessoa.
Sumário
Texto do episódio
Hoje vamos falar sobre abandono afetivo paterno.
E quando eu falo de abandono afetivo, não estou falando somente daquela criança que não foi reconhecida e registrada como filho daquele homem. Falo também daquele pai que nega amor, nega cuidados com essa criança, que se esquiva do convívio, ou seja, não faz parte do dia a dia da criança e não dá atenção às suas necessidades.
Você consegue imaginar quais as implicações que esse abandono podem acarretar na vida de
uma pessoa?
Ausência paterna pode deixar marcas emocionais profundas que reverberam não só na infância, mas por toda a vida do indivíduo.
A sociedade, de forma geral, ainda acredita que cabe a mulher o papel de cuidado, o que torna mais fácil para que alguns homens se afastem dos filhos, justificando que, a partir do momento que paga a pensão, não precisa exercer nenhuma outra função no que tange o desenvolvimento emocional e psíquico daquela criança.
Tenho aqui três ressalvas para fazer.
A primeira é: Sei que esse é um campo delicado, onde algumas pessoas podem defender e outras acusar, sabemos que existem pessoas com as mais diversas intenções, mas meu intuito aqui não é julgar, isso eu deixo para a justiça. Meu intuito é pensar com vocês sobre essas situações de abandono, o quanto elas podem ser tão dolorosas para a família e quais dificuldades essa experiência pode trazer para os pequenos.
A segunda ressalva é: nós sabemos que as configurações familiares tem se modificado com o passar dos anos. Temos famílias das mais diversas configurações. Mãe, pai e filhos, duas mães e filhos, dois pais e filhos, pais exercendo a monoparentalidade (na maioria das vezes é a mãe quem desempenha esse papel), família adotiva, recasamento, enfim, todas essas configurações são válidas e acredito que no fim o mais importante é que nela predomine o amor, o cuidado, o respeito, que tenha bases sólidas para fortalecer o desenvolvimento saudável dos integrantes da família.
A terceira e última é: as situações que vou trazer aqui, são situações que podem acontecer, mas não necessariamente vão. Cada ser humano é único, assim como cada história. O que eu trago são possibilidades e pontos de atenção necessária, pois o abandono afetivo pela figura paterna pode gerar consequências sérias.
Todos nós já ouvimos diversas e tristes histórias acerca do tema. O pai que tenta esconder da justiça o quanto ganha, alegando que a ex-mulher gasta todo o dinheiro com ela e não com o filho, sem se preocupar em saber quanto custa o litro do leite, a roupinha nova, ou um pacote de arroz, ou um pacote de fraldas.
Abandono afetivo acrescido de abandono financeiro pode ser extremamente prejudicial para o desenvolvimento de uma criança.
A criança abandonada pelo pai vive um luto. O luto por um pai que está vivo, mas que, ausente, não tem interesse em ocupar seu papel de pai dentro da vida do filho. E esse luto muitas vezes não é reconhecido nem pela família, nem pela escola, mas é muito importante que ele seja compreendido e acolhido como tal, até para ajudar a criança a lidar com ele.
A sensação ou percepção de não ser querido, não ser desejado na vida do pai, ser desimportante, pode desencadear vários problemas, tanto de ordem emocional quanto cognitiva e psicológica, e estarmos atentos a isso é de vital importância.
A criança abandonada pelo pai, pode carregar em si muita culpa. Ela pode acreditar que o pai não gosta dela porque em algum momento fez algo errado. Então você pode pensar no peso que pode ser para uma criança se sentir responsável pelo pai não querer vê-la, não querer estar com ela, porque ela acredita que, por exemplo o pai deixou de gostar dela e a abandonou porque um dia ela chorou ao não querer escovar os dentes. Estamos falando aqui da cabecinha de uma criança. Elas costumam ser muito criativas, sensíveis e com entendimento de mundo muito restrito e muito literal ainda. Cada idade tem entendimentos diferentes, então claro, o adolescente vai entender essa situação de uma outra forma.
Para você entender um pouquinho disso, vou trazer aqui a questão do luto pela morte, para exemplificar como o entendimento da criança pode ser literal. Vamos pensar que vovô morreu. Quando vovô morre e você vai contar para a criança, a depender da idade, se você disser que ele foi viajar, ela vai ficar sempre esperando esse avô voltar. E se por acaso um dia, um dos pais forem viajar a trabalho, isso pode gerar uma ansiedade considerável na criança, porque ela acredita que assim como vovô nunca mais voltou, papai ou mamãe não voltará também. Ou uma criança pode acreditar que titio está guardado no guarda roupas, porque disseram que ele ficaria guardado no caixão, e essa criança ainda não tinha maturidade para entender isso. Para ela, o guarda roupa era um caixão (uma caixa grande) e por isso titio deveria estar ali.
Quis trazer essa questão do luto pela morte para ficar mais fácil a compreensão de que a criança tem um mundo interno muito particular e muitas vezes, muito literal. Ela pode fazer associações erradas, sentir-se culpada por ter sido abandonada pelo pai, chegando a acreditar que merecia isso, porque não quis escovar os dentes.
Percebe agora então o quanto isso pode ser problemático para a criança? Essa criança pode buscar por toda a vida agradar a todas as pessoas à sua volta, sem saber dizer não, por acreditar que, se em algum momento ela desagradar alguém, essa pessoa vai abandoná-la também. Isso nem é uma percepção consciente. Ela pode ter muitas dificuldades em criar vínculos saudáveis e acreditar que não merece ser amada ou que é difícil ser amada. Então já adulta, pode se envolver em relacionamentos abusivos em que ela nem terá capacidade de perceber que vive um relacionamento assim, por acreditar que aquela “migalha de amor” e maus tratos é algo aceitável.
Uma criança abandonada pelo pai, pode se tornar uma criança solitária, com baixa auto estima, pelo fato de acreditar que se se aproximar de alguém, se fizer uma nova amizade na escola, esse amiguinho ou essa amiguinha vai abandoná-la também ou ainda, como no caso anterior, ela pode acreditar que é impossível alguém gostar dela de verdade. E então ela pode encontrar muita dificuldade na expressão de sentimentos, e também de acreditar e confiar em si e nos outros.
Ela pode também desencadear problemas sejam de ordem cognitiva – não consegue se concentrar, não consegue aprender a ler, escrever direito, assimilar novas informações, como também podem ser de ordem comportamental. Lembra do isolamento? Ela pode se afastar de todos, pode se tornar uma criança violenta, que briga com os colegas, desrespeita os professores, e levando o pensamento um pouco na questão da adolescência, esse adolescente pode começar a apresentar comportamentos de risco, se envolvendo em situações perigosas, desenvolvendo amizades prejudiciais para si.
Ao crescer, esse então adulto, pode repetir padrões aprendidos na infância. Existe uma tendência a crianças que foram abandonadas, abandonarem também.
Como fazer então para que isso seja evitado? O ideal seria que não existisse mais o abandono físico, afetivo e financeiro de uma criança ou adolescente. Mas quando ele existe, é preciso que essa criança, esse adolescente, sejam cercados por uma família que, independente de como esteja essa configuração familiar agora, tenha base sólida e segura, que possa acolher suas angústias, que ofereça amor, respeito, cuidado e atenção às necessidades deles de forma ampla. Uma rede de apoio forte pode ser uma fonte de cuidados tanto para a criança quanto para a mãe. Além disso, o acompanhamento psicológico pode ser um fator de proteção à saúde mental muito importante para essa criança ou esse adolescente, ao possibilitar uma abertura para a ressignificação dessas vivências e também para o desenvolvimento de ferramentas emocionais e psíquicas para auxiliar essa criança ou adolescente a lidar de forma mais apropriada com as demandas da vida.
Então se formos pensar resumidamente no que discutimos aqui, podemos compreender o peso que a presença paterna tem na vida da criança e sobretudo que o abandono afetivo é algo que pode marcar profundamente a vida de uma pessoa. Em contrapartida, dizer que uma criança que sofreu esse abandono é um caso perdido não corresponde a verdade. São vários os fatores que vão influenciar o desenvolvimento emocional e psíquico dessa criança ou adolescente, mas é primordial que ela tenha em sua vida pessoas que a amparem, a compreendam, as suportem, no sentido de dar suporte e as auxiliem a desenvolver ferramentas necessárias para lidar com todas essas vivências.
Caso você seja um adulto que tenha sofrido um abandono afetivo e sente que existem lacunas que precisam ser trabalhadas em você, busque o acompanhamento de um psicólogo de confiança. Trabalhar a si mesmo nem sempre é fácil, mas pode ser recompensador.
Como ter ajuda?
Se você está percebendo que precisa de ajuda, se está muito difícil, mais uma vez te digo,
busque ajuda, O Memorial Vale da Saudade pensando em como ajudar na coletividade conta com programas de apoio ao enlutado mensalmente, portanto, se você ou um ente querido está vivenciando essa dor pela perda de alguém que você muito ama saiba mais sobre nossos programas clicando aqui.
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