Memorial Vale da Saudade

O luto de minha família após a partida de nosso filho

Como fica a família que perde um filho? É isso que vamos discutir hoje, falando sobre a vivência do luto por parte do casal, as possibilidades de crises, as alterações nas relações familiares e a necessidade de compreensão do luto do parceiro como sendo diferente do seu. Vem ouvir!

Um projeto do Memorial Vale da Saudade, apresentado por Priscila Gauna

Texto do episódio

A perda de um filho é muitas vezes sentida como uma injustiça e frases como “filhos não
deveriam morrer antes dos pais”, “isso não é natural” são muito comuns de serem ouvidas de
pais enlutados.

Quando um filho morre, uma família inteira tende a se desorganizar. Mães e pais costumam
dizer que essa é dor mais profunda do mundo. E não é fácil se reorganizar depois disso.
Impossível colocar de volta tudo que se partiu dentro você de volta no lugar como era antes de
perder seu filho.

Atividades corriqueiras que eram feitas em conjunto perdem o sentido, como uma simples
refeição à mesa, ou o horário de assistir TV juntos, pois essas lembranças podem doer muito.

Quando um filho morre, a dinâmica familiar muda. Neste momento, papéis precisam ser
reajustados. A mãe sempre será mãe, e o pai sempre será pai, mas agora a forma de viver
essa maternidade e essa paternidade mudam. E esse reajustamento demanda trabalho e não
costuma ser fácil entender como ser mãe e pai de um filho que não está mais aqui.

As relações familiares podem ser modificadas, de forma a serem fortificadas a partir da união
das pessoas que ficaram, ou terem seus elos enfraquecidos após a perda do filho.

A própria relação conjugal pode enfrentar mudanças na forma como é vivenciada,
principalmente, mas não exclusivamente, quando falamos da morte de crianças e
adolescentes. Os sonhos que os pais sonhavam para esse filho ou essa filha, morre a partir do
momento em que o filho falta. O futuro que era esperado não acontecerá mais. Em algumas
situações, pode acontecer a culpabilização do companheiro. Situações como essas podem
interferir no relacionamento afetivo e sexual do casal. Não são raras as situações de crises
conjugais após a perda de um filho ou de uma filha.

A questão da culpa tem algo importante para pensarmos. Uma vez li em um artigo sobre os
pais se culparem quando o filho falha ou fracassa em algo, e que essa culpa também pode ser
vista frequentemente quando um filho morre, principalmente nas mães. A culpa é um
sentimento até natural na vivência do luto, mas precisamos pensar que muitas vezes essa
culpa está ancorada em questões culturais, então é como se essa mãe, esse pai, se deparasse
com a culpa por terem dentro de si essa percepção cultural e social de serem os responsáveis
pelos filhos. Então essa culpa pode não vir de uma sensação de negligência, de não ter
cuidado desse filho, por exemplo, mas sim dessa percepção de que sempre foi e sempre será
responsável pelo bem estar dos filhos, ainda que adultos, então quando o filho morre, é como
se os pais sentissem que falharam em desempenhar seus papéis de pais.

Me lembro de ter assistido ao filme “Um ninho para dois”, já há algum tempo, mas algumas
coisas me marcaram muito. O pai, pouco tempo após a perda da filha, precisou ser internado
em um hospital psiquiátrico devido à um quadro severo de depressão. E a mãe, fica sozinha
em casa, também lutando diariamente para viver em um mundo sem sua filha e sem o apoio do
marido. Uma das cenas que mais me comoveu foi de um dia em que ela estava no mercado
onde trabalhava e estava reajustando os preços dos produtos nas prateleiras, e era suposto
que essas etiquetas dessem desconto de algo como 50 centavos, no entanto, ao etiquetar os
produtos ela colocou como se basicamente tudo no mercado estivesse nesse valor de
centavos, e vemos várias pessoas correndo com carrinhos cheios para o caixa. Ela, com o
olhar tão voltado para a perda da filha, não conseguia se concentrar no trabalho. Claro que
esse é um exagero para as telas, mas serve para mostrar o quanto a atenção também pode
ficar defasada nesse período, o quanto a relação conjugal pode ser afetada a partir da perda de
uma criança.

O que vemos hoje é que a sociedade espera que o luto seja vivido de modo privado, espera
que os enlutados mantenham certa dignidade, controlando as próprias emoções. Mas é
extremamente necessário que a família tenha espaço para a expressão de seu luto. Que tenha
uma rede de apoio com que possa contar.

Que seu luto não seja fonte de vergonha de ser mostrado para as pessoas. Ainda que em
algum momento você sinta que não tem espaço para essa expressão dentro do círculo familiar,
por exemplo, busque um espaço. Pode ser um grupo religioso, um grupo de apoio ou até um
acompanhamento psicológico individual para que você possa falar sobre seu filho, falar sobre sua filha, contar suas histórias, sem se sentir como se estivesse incomodando ou sendo
evitado ou evitada.

A partir de expressões públicas, ou seja, da fala ou até mesmo de atos e homenagens, é como
se você mostrasse ao mundo que aquela pessoa existiu e que, mesmo que hoje não exista
mais, que ela é importante, teve a sua história e tem um espaço em sua vida.

Quais são as formas que você encontrou ou encontra para expressar seu luto? Isso pode ser
feito de diversas formas, mas é importante que seja algo que faça sentido para você. Essas
ritualizações podem ser benéficas na construção de sentidos, na manutenção de vínculos,
auxiliando na elaboração do luto.

Quando falo de manutenção de vínculos, falo sobre a morte ser um fator de quebra de vínculo
exclusivo nesse plano físico. O vínculo emocional que você tem com seu filho ou sua filha não
precisa ser quebrado para que você viva seu luto de forma saudável. Pelo contrário,
compreender que o vínculo pode ser vivido de uma outra forma, ressignificando, isso sim, pode
auxiliar você a viver esse luto mais saudavelmente.

Como é para sua família expressar esse luto, manter esses vínculos? Quais as formas que
vocês, enquanto casal, enquanto família, consideram como importantes para manter viva a
memória de seu filho ou de sua filha? Existe algo que não seja do agrado do seu companheiro
ou companheira e você acredita que é importante?

Então quando falo sobre expressar o luto, e sobre o luto ser vivido de maneiras diferentes,
também é sobre isso. Como a família se expressa enquanto família? Você sente que precisa ou
gostaria de fazer algo que a outra pessoa não considere importante ou não goste de fazer?

Algumas pessoas, por exemplo, gostariam de ir ao cemitério pelo menos uma vez ao mês,
enquanto a outra parte, não sente essa necessidade. É importante então que se encontrem
formas para que todos consigam seu espaço para viver o luto.

Algumas vezes, o luto da outra pessoa é vivido em silêncio. Porque ela não gosta de falar,
porque machuca, porque ela se sente responsável em não te deixar mais triste falando sobre a
própria tristeza. Independente dos motivos, vocês podem ter essa experiência de formas
diferentes e está tudo certo. Mas é legal encontrar pontos de concordância entre a família nas
formas de expressar e viver o luto. Nem sempre é possível e tudo bem. Mas é importante que
cada um entenda o jeitinho do outro para haver o mínimo de atrito possível, para não haver
cobranças injustas e desavenças neste momento tão delicado do casal e da família.

Que vocês consigam encontrar formas saudáveis de compartilhar essa dor e essa experiência
dentro do relacionamento, dentro da família.

Como ter ajuda?

Sabemos que passar pelo luto é muito desafiador, O Memorial Vale da Saudade pensando em como ajudar na coletividade conta com programas de apoio ao enlutado mensalmente, portanto, se você ou um ente querido está vivenciando essa dor pela perda de alguém que você muito ama saiba mais sobre nossos programas clicando aqui.

Objetivando o acesso a todos que não podem escutar nosso podcast, extraímos o texto para melhor aproveitamento daqueles que preferem a leitura. Caso se interesse por escutar o podcast Vale Lutar, você encontrará nas plataformas Spotfy, YouTube Music, Deezer e Amazon Music

Conheça o Memorial Vale da Saudade e tenha toda a tranquilidade que você precisa!

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