Memorial Vale da Saudade

O luto da minha família após a perda de meu pai

Vamos refletir sobre a importância da família na vivência do luto, sobre a necessidade de que ela se reestruture e de que cada um conheça os novos papéis que serão desempenhados a partir da morte do pai.

Um projeto do Memorial Vale da Saudade, apresentado por Priscila Gauna

Texto do episódio

Quando o pai morre, uma família inteira precisa se reestruturar. Cada familiar precisa identificar seus novos papéis e aprender a desempenhá-los dentro de seu círculo. E tudo isso acontece quando além de tudo, ainda precisam lidar com a dor da perda, com a saudade, com um certo desnorteamento e todos os outros sentimentos que podem acontecer a partir da perda de alguém muito amado que também pode ter sido uma figura central dentro do conjunto familiar.

Quando falo do pai, não falo necessariamente do pai biológico, mas falo sobre a figura que desepenhou esse papel para você. Pode ser o pai adotivo, padrasto, um avô, um tio, padrinho. É a pessoa que você reconhece como figura paterna.

Antigamente, os papéis desempenhados pela mãe e pelo pai, eram muito distintos. Na atualidade, tudo vem sendo modificado, inclusive as funções desempenhadas por cada um dentro da família. Ainda hoje contamos, sim, com aquela configuração tradicional, mas outras configurações vêm sendo desenvolvidas. A figura paterna é aquela que representa a autoridade, que impõe as regras, que dita as leis. Vamos pensar naquela configuração tradicional, a patriarcal: A mãe era aquela que acolhia mais, que dava colo, que assoprava o machucado pra sarar, frequentava reuniões escolares, preparava o jantar. O pai era aquele que provia. Trazia o alimento para casa, dava bronca e ensinava sobre o “mundo lá fora”. O pai
decidia tudo sozinho e a família acatava as decisões. O tempo foi mudando e esses papéis também. A mãe além de cuidar da casa, também começou a sair para trabalhar. O pai, que não participava muito ativamente da vida dos filhos, passou a ser o pai que brinca com seu bebê, que empurra a bicicleta, que vai te jogando para a vida, mas que te levanta quando cai, que aconselha quando necessário, que te ajuda com problemas práticos. De forma geral, foi-se percebendo que o pai foi assumindo um papel mais próximo na vida dos filhos, sem contudo deixar de ter seu papel de autoridade.

Sabemos que famílias não são perfeitas. Sabendo disso, não podemos acreditar também que os lutos de todas as famílias serão vividos de forma saudável enquanto luto familiar, onde todos se ajudam, se compreendem e crescem juntos.

A morte de uma pessoa reflete na vida de várias outras. Quando um pai morre, também pode estar morrendo neste mesmo momento um filho, um marido, um avô, um sobrinho, um tio.

Quando a família perde alguém, e aqui pensando na figura do pai e do marido, podemos imaginar que essa pessoa possuía um papel central dentro no conjunto familiar. E é aí que as coisas podem se complicar um pouco.

Digo que podem se complicar no sentido de que é necessário que essa família desenvolva ferramentas para que consigam se reestruturar para desempenhar novos papéis e lidar com novas responsabilidades.

Quando pensamos nesses novos papéis, novas responsabilidades, precisamos pensar também em quem são as pessoas que se enlutaram. Foi uma criança, um adolescente ou adulto? A forma para a família lidar com seus lutos e seus enlutados vai variar de acordo com esse fator da idade, mas também outras coisas entram em cena. A experiência de vida, as crenças dessa pessoa, quais seus pensamentos acerca da morte, quais os fatores que levaram à morte desse pai, se foi uma morte violenta, esperada ou repentina e inclusive questões econômicas também podem entrar nessa conta. Trago aqui alguns pontos para elucidar um pouco mais essas questões: uma criança de 4 anos compreende a morte de forma muito diferente de um adolescente de 16 anos, logo as reações que elas vão apresentar em seus lutos e os cuidados que elas precisarão receber, serão diferentes.

Um segundo ponto para pensarmos é em como o luto e a causa da morte podem estar relacionadas. Uma morte repentina pode ter efeitos diferentes do que a morte de alguém que vivia um longo adoecimento. Logo, as reações referentes à esse luto podem ser diferentes também. E penso que é interessante eu fazer aqui algumas pontuações: quando digo que são situações diferentes, lutos diferentes, famílias diferentes, eu quero dizer só isso mesmo, que são diferentes. O que vai fazer esse luto ser mais leve para lidar ou ser mais difícil, de repente até um luto que pode se complicar, tem a ver também com a pessoa e toda aquela carga que já falamos antes (experiências, crenças, etc).

Então quando falamos de reestruturação dessa família e até do desempenho de novos papéis, podemos pensar que as questões financeiras podem ser um fator relevante neste momento. Em muitos casos, uma família que vivia uma vida até com certo conforto, ao perder o provedor principal, tem um decréscimo importante na renda familiar, o que pode pedir novas formas de organização. Por exemplo, a mãe pode precisar retomar o trabalho externo ou pode precisar trocar de trabalho ou ainda assumir novas jornadas para garantir o sustento da casa. Outros exemplos de situações que podem ocorrer é precisar trocar os filhos de escola, precisar que filhos iniciem a vida profissional de forma antecipada de forma a auxiliar a mãe no pagamento das contas, ou pode ser necessária a venda de imóveis ou automóveis.

Ajustar esses papéis pode não ser tarefa fácil. Um pedaço da família está faltando. Uma parte importante. Por isso é tão necessário que o luto seja vivido em sua integralidade, permitindo a cada um conhecer esse espaço vazio que ficou, se adaptar a ele, se ajustar sem contanto buscar preenchê-lo. O lugar do pai é dele. Quanto mais se busca preenchê-lo ou tomá-lo, mais pode ser difícil viver esse luto, pois pode-se ir percebendo que é uma luta árdua e infrutífera.

Na tarefa de viver esse luto, é importante que se tenha espaço para tal. Esse espaço pode ser garantido quando a família tem uma rede de apoio forte, quando ela é enlutada mas consegue ser apoio, quando consegue encontrar esse acolhimento também nos amigos, na comunidade religiosa. No entanto, ainda é recorrente a fala de enlutados que sentem que não tem espaço para essa vivência, para compartilhar suas dores e contar suas histórias. Acredito que na maioria das vezes isso acontece não porque a outra pessoa não se importa com seu sofrimento, mas sim porque ela pode não saber lidar com a dor que você está sentindo, ela pode se sentir desconfortável e também pode ser que ela tenha problemas em lidar com os
próprios sofrimentos, e ouvir o seu, pode mexer com os dela.

O luto de cada um, sabemos, é individual, tanto o seu, quanto o de sua família. No decorrer desse processo, não cobre muito de si, não compare seu luto com o de outra pessoa, acreditando que o seu luto deveria estar assim ou assado, que você não deveria mais estar chorando ou que já passou determinado tempo e você já deveria estar bem, já que aquela outra pessoa que passou uma situação semelhante está aparentemente bem e você não. Viver o luto não é fácil, em alguns dias pode parecer que a única coisa que você consegue é sobreviver. Ou pode ser que você já esteja se sentindo relativamente bem, que tenha conseguido retomar sua vida com certa tranquilidade, tenha conseguido aceitar ou compreender de forma mais leve a morte de seu pai. Mas da mesma forma que digo para não
ser tão duro com você mesmo, também digo para não cobrar do outro que o luto dele esteja parecido com o daquele primo que já “superou” e aqui uso a palavra superou entre aspas, porque sabemos, luto não se supera, se vive e ele não acaba.

Da mesma forma que você tem um vínculo com seu pai, cada integrante de sua família também tem. Cada pessoa pode estar em momentos diferentes da vida, então um exemplo é que experienciar a morte do pai pode ser bem diferente para o filho adulto, que tem sua família, mora longe e via o pai uma vez na semana do que o luto vivido pelo filho adolescente que mora com os pais e está ali todos os dias. Mais uma vez trago o termo diferente, porque não estou dizendo aqui que um vai sentir mais ou menos que o outro. Diferentes pessoas, diferentes vínculos, diferentes experiências.

Dito tudo isso que trouxe aqui, gostaria de poder afirmar que todas as famílias quando se enlutam tem a tendência de cuidar uns dos outros, se apoiarem e serem fonte de acolhimento e cuidado, mas como falamos lá no começo… família perfeita existe em propaganda de margarina. Então se permita viver seu luto à sua maneira e faça o mesmo em relação aos seus. Se você encontra neles o suporte que precisa, aceite. Se sua família não está estruturada para tal, cuide-se. Busque a sua rede de apoio, busque o espaço para seu luto, e não se esqueça de que não precisa passar por tudo isso sozinha ou sozinho. Se estiver muito difícil, existem grupos de apoio presenciais e online, existe acompanhamento psicológico que podem te ajudar neste momento.

Como ter ajuda?

Se você está percebendo que precisa de ajuda, se está muito difícil, mais uma vez te digo, busque ajuda, O Memorial Vale da Saudade pensando em como ajudar na coletividade conta com programas de apoio ao enlutado mensalmente, portanto, se você ou um ente querido está vivenciando essa dor pela perda de alguém que você muito ama saiba mais sobre nossos programas clicando aqui.

Objetivando o acesso a todos que não podem escutar nosso podcast, extraímos o texto para melhor aproveitamento daqueles que preferem a leitura. Caso se interesse por escutar o podcast Vale Lutar, você encontrará em diversas plataformas de áudio.

Conheça o Memorial Vale da Saudade e tenha toda a tranquilidade que você precisa!

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Como foi para você buscar entender esse novo papel de filho ou filha de um pai que já não está mais aqui?

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