Memorial Vale da Saudade

O filho que ficou pouco tempo comigo

As perdas gestacionais e neonatais são os temas desse episódio onde buscamos compreender a importância dos cuidados psicológicos com a mãe no recebimento de notícias ruins, a necessidade de equipes com estrutura técnica e psicológica para acolher a família e a importância dos rituais de despedida. Vem ouvir!

Link para o Instagram do Grupo Colcha, citado no episódio: ⁠https://www.instagram.com/grupo_colcha

Um projeto do Memorial Vale da Saudade, apresentado por Priscila Gauna

Texto do episódio

Quando uma mulher engravida, à sua frente ela pode vislumbrar a vida nova que se aproxima.
A gravidez é um marco muitas vezes desejado, sonhado e planejado pelo casal. A vida se
prepara, a casa muitas vezes é preparada, adaptada para receber o novo membro que está
sendo gerado no ventre da mãe.

As celebrações acontecem no chá de bebê e chá revelação, onde família e amigos se reúnem
para trazer mimos e presentes àquele que é esperado. Os cuidados são redobrados, há a
organização do quartinho, escolha do nome, planejamento do futuro que se aproxima – quem
vai ajudar, quem vai poder visitar, como será a rotina de trabalho da família, o que vai mudar,
como serão as questões financeiras, onde vai estudar quando crescer, será que vai ser médico,
artista ou astronauta?

Da mulher é exigida toda uma preparação para ser mãe. Claro, do homem também, mas a
mulher precisa se adaptar às mudanças corporais que acontecem e aprender a ressignificar a
relação com esse corpo. As mudanças hormonais alteram o humor, o desejo sexual, o sono, o
funcionamento corporal. Alguém começa a se desenvolver dentro dela. Ela inicia o
desenvolvimento de um vínculo com esse serzinho que começa a crescer ali. Ela começa a se
preparar para assumir o papel de mãe. Ela pode começar a cuidar mais da saúde, se alimentar
melhor, assistir diversos vídeos e ler vários livros sobre maternidade, fazer os
acompanhamentos necessários, ou seja, ela pode começar a voltar seu olhar quase que
exclusivamente para esse novo papel que ela está aprendendo a desempenhar.

No entanto, algo acontece no meio do caminho e muda todo esse percurso tão sonhado pelos
pais. A perda pode acontecer nos primeiros meses de gestação, no final, ou ainda o bebê pode
nascer vivo e falecer poucos dias depois. Fato é que, quando isso acontece, pode deixar
marcas muito profundas nos pais.

É imprescindível que as equipes hospitalares atuais saibam dar notícias difíceis. E essa equipe
precisa ser cuidada também. Ela precisa de bons treinamentos e apoio psicológico, porque não é fácil estar nessa situação de, por exemplo, dar a notícia para uma mãe que seu filho não tem
mais vida dentro dela. Muitas vezes para evitar que notícias como essa o atravessem
emocionalmente durante toda a sua carreira, o profissional simplesmente se afasta o máximo
possível, como se criasse uma armadura em volta de si, mas isso pode fazer com que ele se
torne também insensível ao sofrimento e necessidades daquelas pessoas que ouvem as
notícias que ele tem para dar.

Já ouvi relatos tristíssimos de mães que não foram cuidadas pela equipe hospitalar. A notícia da
morte dada sem qualquer preparo, sem nenhum nível de empatia, fazendo com que aquela
mãe, se sinta absolutamente invisibilizada e sozinha. Em outras situações o profissional que
traz a informação até parece buscar formas melhores de dar a notícia e amparar a mãe, mas
diz coisas como: “logo você poderá ter outros filhos”, ou “Deus sabe o que faz”. Sabemos o
quanto frases como essa não ajudam, e mais ainda, machucam.

Não só a necessidade de saber dar notícias difíceis, é importantíssimo que a equipe tenha
cuidados específicos para essa mãe no hospital. Deixar separado de outras mães com bebês
vivos. Ter uma equipe atenta ao que acontece, para não chegar no quarto e perguntar: “onde
está o bebê?” antes mesmo de olhar o prontuário da paciente.

O contato com o bebê pode ser muito importante. Então essa equipe precisa estar preparada
para deixar essa mãe, esse pai ter um momento com o filho morto caso eles queiram, para
poder tocar, vestir uma roupinha, dar um beijo, se despedir.

O Projeto Colcha faz um trabalho muito bonito e importante nesse sentido, onde através de
fotos, eternizam momentos dos pais com seus bebês que partiram, ainda no hospital. As fotos
são lindas, os relatos são emocionantes e o amor é visível.

Também é importante que seja dada a família a possibilidade de que sejam realizados os rituais
fúnebres caso queiram. Poder escolher a roupinha, realizar o velório, o sepultamento. Todos
esses cuidados podem possibilitar que o luto seja trabalhado de forma saudável.

Enfim, a passagem pelo hospital finda, e os pais voltam para casa de mãos vazias. Como lidar
com tudo isso agora?

Chegar em casa e se deparar com as roupinhas que não serão usadas, entrar no quartinho
preparado com tanto carinho e que ficará vazio não é fácil.

Geralmente para a mãe, lidar com essa perda é mais difícil, e podemos pensar aqui que isso é
causado também pelas modificações no próprio corpo, pela experiência psicológica da
gestação, pelas alterações hormonais e procedimentos médicos a que essa mãe é submetida.

Do pai, geralmente, é cobrada pela sociedade, uma postura de fortaleza para que ele cuide da
mulher. O luto do homem geralmente é invisibilizado e muitas vezes não autorizado, pois,
sendo ele homem, “precisa ser forte, precisa dar conta de tudo, não pode chorar”. Essa visão
moderna sobre a dor masculina frente ao luto pela perda de um filho pode causar dores ainda
maiores, silenciando um luto que precisa de espaço para ser vivido em sua totalidade.

Precisamos pensar também na relação do casal e as implicações que essa perda pode trazer.
A vivência do luto pela morte do filho pode trazer uma crise ao casal. É importante então que
ambos possam encontrar espaço para viverem seu luto e que compreendam que essa é uma
vivência muito diferente para cada um.

Outra situação que podemos pensar aqui, é a da perda gestacional no início da gravidez. O luto
é ainda mais invisibilizado pelo fato de que o feto ainda não é considerado como sendo um
bebê, e sendo assim, essa mãe dificilmente encontra espaço para viver seu luto, tendo seus
sentimentos invalidados e muitas vezes silenciados.

O luto pela morte de um bebê traz em si outros lutos. Pode existir o luto pelas expectativas
frustradas dos indivíduos e do casal, pelos planos que não serão realizados, pelas memórias
que não serão criadas, o próprio luto pelo papel de mãe e pelo papel de pai, que agora não vão
ser desempenhados da forma como era esperado.

É muito importante que este casal se apoie, mas também tenha uma forte rede de apoio neste
momento, já que geralmente tanto a morte do filho quanto o luto ainda são bastante
invisibilizados, mas precisam sim, de cuidado, de apoio, de escuta.

Pode ser muito importante para que você mantenha viva no mundo a memória de seu filho
através da troca, de contar e ouvir histórias de pessoas que vivem situações semelhantes a
sua.

Independente de como aconteceu essa perda, seja no início, meio ou fim da gravidez, ou ainda
que o bebê tenha falecido após o parto pode causar muita insegurança, ansiedade e angústia
numa próxima gestação, tanto na mãe quanto no pai. Então é preciso muita atenção e cuidado
à essa família numa próxima gravidez.

Algumas mulheres vivem múltiplas perdas gestacionais, por vezes, perdas consecutivas e isso
pode ser um fator muito importante acerca de como ela vai conseguir elaborar seus lutos.

Se você que me ouve agora é uma mãe ou pai enlutado pela perda de um filho em situação
semelhante à essas que trouxe aqui hoje, sintam-se abraçados. E busquem olhar pra dentro de
si, como tem conseguido lidar com sua perda. Identifique se há necessidade de participar em
um grupo de apoio ou acompanhamento psicológico individual. Não exite em buscar ajuda. Cuide de você.

Como ter ajuda?

Sabemos que passar pelo luto é muito desafiador, O Memorial Vale da Saudade pensando em como ajudar na coletividade conta com programas de apoio ao enlutado mensalmente, portanto, se você ou um ente querido está vivenciando essa dor pela perda de alguém que você muito ama saiba mais sobre nossos programas clicando aqui.

Objetivando o acesso a todos que não podem escutar nosso podcast, extraímos o texto para melhor aproveitamento daqueles que preferem a leitura. Caso se interesse por escutar o podcast Vale Lutar, você encontrará nas plataformas Spotfy, YouTube Music, Deezer e Amazon Music

Conheça o Memorial Vale da Saudade e tenha toda a tranquilidade que você precisa!

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Você vivenciou experiências semelhantes a essas do episódio de hoje? Como foi para você?

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