Memorial Vale da Saudade

Eu cuido de alguém que amo, mas quem cuida de mim?

Sabemos o quanto ser cuidador geralmente é uma função de muita entrega e o quanto isso pode ser desgastante. Quem cuida do cuidador?

Um projeto do Memorial Vale da Saudade, apresentado por Priscila Gauna

Texto do episódio

Nas postagens anteriores falamos sobre o conceito de luto antecipatório e também sobre como essa situação que é tão delicada, pode, em alguns casos, ser considerada uma oportunidade para ressignificar essa vivência.

Hoje, quero falar mais especificamente sobre o cuidador. Na verdade, vou falar muito sobre a cuidadora, já que quando a família não dispõe de recursos para pagar um profissional cuidador, o cuidado do paciente em fase final da vida é feito na maioria das vezes pelas mulheres da família. E isso se deve ao fato de que, de forma geral, é reservado à mulher o papel de cuidado da família, já que esta seria uma função considerada pela sociedade como naturalmente feminina.

Quando chega o momento de cuidar de um ente querido que recebeu o diagnóstico de que a sua doença é grave e potencialmente fatal, a vida da cuidadora pode virar de cabeça para baixo.

Você de repente precisa lidar com as dúvidas, o medo, a insegurança, aquela saudade estranha que já aparece e você não entende, e ainda cuidar.

O Ministério da Saúde lançou há alguns anos o Guia Prático do Cuidador, e logo no início existe um trecho que fala sobre cuidado e cuidador. O trecho é o seguinte:

“Cuidado significa atenção, precaução, cautela, dedicação, carinho, encargo e responsabilidade. Cuidar é servir, é oferecer ao outro, em forma de serviço, o resultado de seus talentos, preparo e escolhas; é praticar o cuidado.

Cuidar é também perceber a outra pessoa como ela é, e como se mostra, seus gestos e falas, sua dor e limitação. Percebendo isso, o cuidador tem condições de prestar o cuidado de forma individualizada, a partir de suas idéias, conhecimentos e criatividade, levando em consideração as particularidades e necessidades da pessoa a ser cuidada.

Esse cuidado deve ir além dos cuidados com o corpo físico, pois além do sofrimento físico decorrente de uma doença ou limitação, há que se levar em conta as questões emocionais, a história de vida, os sentimentos e emoções da pessoa a ser cuidada.”

Guia Prático do Cuidador, pág. 07

Como podemos ver, cuidar não é tarefa fácil. Pode ser que você precise reorganizar sua vida completamente. A rotina precisa ser adaptada. Mudam-se horários, às vezes muda-se de casa ou recebe o ente amado em seu lar para que o cuidado fique mais fácil. Em determinadas situações, pode ser que você precise se adaptar à ausência figurativa do paciente, seja por exemplo porque ele já não tem condições intelectuais de relembrar histórias, saber quem você é, não consegue se comunicar ou então é uma pessoa que já está vivendo em uma situação de inconsciência. Então o cuidado é necessário, mas essa distância pode machucar.

Estruturar essa nova realidade pode ser muito difícil, e aqui podemos falar que sim, pode ser difícil emocionalmente, psicologicamente, fisicamente e financeiramente. Sendo assim, essa vivência pode ser causadora de muita angústia, ansiedade, medo.

Durante esse processo você vai percebendo que, tendo a percepção da finitude e da morte que se aproxima dessa pessoa que você ama, alguns sonhos precisarão ser abandonados, ao menos da forma como eram idealizados, você pode precisar tomar algumas decisões difíceis, principalmente se é uma cuidadora que não tem suporte de outros. Você pode por exemplo, decidir que não tem mais condições de conciliar cuidado com seu trabalho ou estudo. Você pode precisar estar ali para cuidar ao invés de ir à apresentação de sua criança na escola. E quando percebe, você abriu mão de diversas coisas para poder melhor cuidar.

Os sentimentos podem se tornar mais intensos nesse período. Pode ser mais comum o choro, a sensação de tristeza, se perceber muito mais irritada que o normal, se sentir sozinha e desamparada. Pode sentir-se frustrada e com raiva por sentir que teve que deixar sua vida de lado em favor do cuidado.

E quando esse cuidado é feito por somente uma pessoa, ela pode se sentir extremamente sozinha e sobrecarregada – e isso é até frequente. Muitas vezes a pessoa não encontra tempo para cuidados mínimos, como ter horário de se alimentar, que essa alimentação seja de qualidade, porque às vezes come o que dá, o que é mais fácil, mais rápido, também pode ter dificuldade em encontrar um tempo para tomar banho, ter uma noite de sono de qualidade.

Podem existir sentimentos ambivalentes: de querer que a pessoa seja curada, e também o de, tendo a noção da impossibilidade dessa cura, desejar a morte do paciente, para que possa haver o descanso de ambos. E esses sentimentos podem acontecer ao mesmo tempo.

Os sentimentos, além de intensos, podem ser muito ambíguos. Você pode oscilar entre aceitar e negar a situação, podendo inclusive se culpar quando percebe que de certa forma se conformou com a situação.

É necessário olhar para sentimento de culpa com muito carinho, com a compreensão do que você pode realmente fazer e até onde consegue ir nos cuidados com o paciente. Não podemos resolver tudo sozinhos e não temos a chave para os mistérios da morte, sobre como ela acontece, com quem e quando. Somos seres humanos.

E aí no meio de tudo isso, você pode olhar pra si e notar que está vivendo no limite. Pode se perceber vivendo em profunda angústia, medo, desencadeando crises de ansiedade, se percebe mais irritada, se sentindo culpada, cansada. E sozinha. E pode sentir que, sozinha não está conseguindo lidar com tanto. É imperativo que se cuide.

Pode ser necessário o acompanhamento psicológico caso essa vivência esteja sendo muito difícil de lidar. E essa necessidade é relativamente comum. Algumas vivências da cuidadora, algumas experiências podem ser traumáticas. Não se sinta culpada por sentir que precisa de cuidados.

Cuidar do outro demanda cuidar de si também.

Quando uma pessoa vive uma situação em que precisa deixar toda sua vida de lado para se dedicar ao cuidado, abandonando a vida social, não encontrando brechas para cuidar de si e de seus relacionamentos, deixa de lado a vida profissional, o lazer, a rotina, e essa vivência se estende devido ao fato de a doença enfrentada pelo paciente ter tido uma longa duração, isso pode gerar uma maior dificuldade da cuidadora em se desligar do seu ente amado e também do papel desempenhado até então.

Ao deixar sua própria vida de lado por muito tempo, ela pode não se reconhecer mais, e isso pode gerar maiores dificuldades em lidar com o luto que é desencadeado após a morte dessa pessoa amada.

Por isso busco reforçar aqui: Cuidador precisa ser cuidado. Isso deveria ser óbvio e claro, mas nem sempre funciona assim.

Agora que estabelecemos que a cuidadora e o cuidador precisam de cuidados, quero falar com você, que não é esse cuidador mas tem alguém próximo que está desempenhando este papel e começa a se questionar em como poderia ajudar. Trouxe alguns tópicos aqui, mas sinta-se à vontade para compartilhar outros conosco.

  • A primeira coisa penso que é a mais importante, pois ela pode te ajudar em outras situações de
    cuidado ao cuidador. Escute! Escute de verdade, com ouvidos atentos, mente e coração abertos. Essa pode não ser uma conversa fácil, mas pode ser de grande valor para um cuidador;
  • Não fuja da conversa, não tente mudar de assunto. Se não souber o que falar, mais uma vez, ouça;
  • Deixe que a pessoa fale de seus sentimentos, seus medos, suas angústias;
  • É importante cuidar da saúde mental. Observe se a cuidadora tem histórico de ansiedade, depressão ou algum outro transtorno mental e a ajude a intensificar seus cuidados, caso seja necessário. Se ofereça para cuidar do paciente, por exemplo, para que a cuidadora possa ter seu horário de terapia;
  • Você pode oferecer ajuda no cuidado do paciente ou para cuidar um dia para que a cuidadora tenha um período de descanso ou de repente você não tem a intimidade para oferecer esse cuidado direto ao paciente, convide essa cuidadora para um passeio, um cinema, café, jantar, ou ainda ajudar no cuidado da casa;
  • Cuidador e paciente precisam de uma rede de apoio forte. Essa rede de apoio pode ser encontrada na própria família onde cada um se apoia e se ajuda nos cuidados com o paciente, mas também nas demandas emocionais e práticas da vida de forma geral. Ela também pode ser encontrada nos amigos, na comunidade espiritual ou religiosa;

A tarefa do cuidado pode ser árdua e longa, mas também pode ser repleta de amor e significados. Que você que nos ouve e está vivendo hoje a situação de cuidar de alguém que ama, sinta-se abraçada ou abraçado. Não se esqueça quem você é. E cuide-se. Lembre-se que, para cuidar de alguém, antes precisamos cuidar de nós mesmos.

Como ter ajuda?

Se você está percebendo que precisa de ajuda, se está muito difícil, mais uma vez te digo, busque ajuda, O Memorial Vale da Saudade pensando em como ajudar na coletividade conta com programas de apoio ao enlutado mensalmente, portanto, se você ou um ente querido está vivenciando essa dor pela perda de alguém que você muito ama saiba mais sobre nossos programas clicando aqui.

Objetivando o acesso a todos que não podem escutar nosso podcast, extraímos o texto para melhor aproveitamento daqueles que preferem a leitura. Caso se interesse por escutar o podcast Vale Lutar, você encontrará nas plataformas Spotfy, YouTube Music, Deezer e Amazon Music

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