Memorial Vale da Saudade

Abrindo espaço para viver meu luto

No último episódio da série, trazemos reflexões importantes sobre a conspiração do silêncio, como encontrar espaços para viver o luto antecipatório na família e possibilidades de deixar essa vivência um pouco mais leve.

Um projeto do Memorial Vale da Saudade, apresentado por Priscila Gauna

Texto do episódio

Acho que para recuperar um pouco da sabedoria de viver seria preciso que nos tornássemos discípulos e não inimigos da Morte. Mas, para isso, seria preciso abrir espaços em nossas vidas para ouvir a sua voz.

Rubem Alves

É com essa frase de Rubem Alves que quero começar o Podcast hoje e trago o seguinte questionamento: como é para você ouvir essa voz?

A Morte nem sempre foi vista como a enxergamos hoje. Na verdade, em diversas culturas ela é encarada de forma muito diferente que a nossa. Mas essa diversidade cultural em relação à morte é assunto para outro dia.

Na Idade Média, a morte era vista como algo muito natural. Ela acontecia em casa, o moribundo ficava cercado pelas pessoas que amava no momento da partida. Acredito que nem por isso era menos triste que hoje, mas penso que essa percepção da morte como algo tão natural pudesse reverberar na forma até de como a vida era vivida.

Hoje, nos grandes centros em nossa sociedade, a morte é vista como algo a ser ocultado. Não só ocultada dos outros, mas de nós mesmos. Passamos a não estar presentes no momento do último suspiro. Outras pessoas se encarregam de tratar do corpo. Muitos dos familiares não tem nenhum contato com o corpo daquela pessoa que veio a óbito, sendo o primeiro contato já no velório.

Quando falamos sobre a morte ser ocultada, muitas vezes, ao ouvirem sobre o diagnóstico de um ente querido, pensam em não contar ao paciente sobre a gravidade de seu caso. Pensam que pode prejudicar, entristecer. É como se existisse uma conspiração do silêncio. Acredito que seja muito comum que a família tenha esse pensamento quando o paciente em questão é uma criança, ou quando é um idoso já mais debilitado, mas as situações para que a família não tenha desejo em contar são as mais variadas.

A questão que fica é: Contar ou não contar ao paciente quando ele está na fase final da vida, se encaminhando para o processo de morte? Como decidir sobre dar a notícia ou não? Pode ser difícil pensar, e mais ainda conversar com alguém que amamos muito sobre isso. Como olhar para alguém que se ama e dar uma notícia que, tirada do contexto médico, com termos científicos e explicações cuidadosas, se traduzida diria algo como: “Olha, acontece que você está morrendo”?

Não é uma decisão fácil. Você pode querer poupar sofrimento. Mas também pode estar impedindo que essa pessoa viva seu próprio luto. Que resolva suas pendências, que realize um último desejo, que perdoe ou peça perdão. E no fundo… será que ela realmente não sabe ou não sente que existe algo diferente do que era antes?

A família pode ter um papel importante na forma como o paciente vai lidar com as questões relativas ao diagnóstico e cuidados, e também sobre sua própria finitude.

O luto, de forma geral, costuma ser uma vivência de emoções e sentimentos emaranhados, e no luto antecipatório não é diferente. A percepção da perda e a noção de que o momento da morte se aproxima e se mostra inevitável pode acarretar diversos sentimentos e respostas – ansiedade, culpa, medo, alívio, vergonha por sentir alívio, sensação de impotência por não conseguir reverter a situação ou ao menos minimizar o sofrimento da pessoa que se encontra doente. No primeiro episódio, falamos bastante sobre os sentimentos e as perdas que podem surgir no decorrer do processo de evolução da doença e do luto antecipatório.

Precisamos também pensar no quanto esse luto antecipado muitas vezes não é reconhecido, tanto o luto da família e amigos quanto o luto do próprio paciente, mas é preciso dar espaço para essa vivência.

Como abrir espaço para viver esse luto?

Primeiro, é preciso entender e aceitar que existe o luto preparatório e que ele precisa ser trabalhado. Cada um a sua maneira, claro.

A pessoa que recebe um diagnóstico tão difícil de lidar quanto esse, pode ter uma tendência ao isolamento, muitas vezes neste isolamento ela está simplesmente buscando afastar as pessoas por meio de manifestações de raiva ou do silêncio, e um dos motivos pode ser para se poupar e poupar o sofrimento de sua rede de apoio, como se pudesse adiar o enfrentamento de seu luto. Afinal, despedidas não são fáceis.

É importante entender esses momentos, respeitar o tempo das pessoas e sei que pode parecer estranho por estamos falando de um tempo que está se esvaindo rapidamente, mas as pessoas podem precisar de um certo tempo para refletir e digerir essas informações.

Ao lidar com a própria finitude, o paciente pode buscar movimentos de reaproximação de algumas pessoas, de resolução de pendências, sejam de ordem subjetivas ou concretas, e essas resoluções podem remeter a tentativa dessa pessoa que se aproxima da morte, de auxiliar as pessoas que permanecerão, como se para deixar tudo o mais organizado possível.

Ao nos atentarmos a isso, não tem como não pensar em como as vontades dessa pessoa em relação são importantes e devem ser respeitadas dentro do possível.

No segundo episódio trouxe uma breve citação sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) ou Testamento Vital, e esse documento pode ser importante para alguém que esteja vivendo uma doença grave, ou fora de possibilidade terapêutica de cura. De forma geral, esse documento não precisa ser feito somente em casos onde a pessoa já se encontra doente, mas qualquer pessoa pode – e eu diria, deve – fazer.

Nesse documento vão conter informações muito importantes que orientarão a equipe médica quando esse paciente não puder mais escolher por si próprio os rumos de seu tratamento. Neste caso, alguém da família entrega este documento à equipe de saúde que saberá os procedimentos que a pessoa deseja ou não ser submetida, mesmo que ela não tenha condições para isso, caso esteja inconsciente, por exemplo. Claro que é considerada a legalidade do desejo declarado no documento. Então por exemplo, quando o paciente decide que, em caso de parada cardiorrespiratória ele não deseja ser ressuscitado, a equipe médica atenderá o pedido. Ele pode também, pode exemplo, escolher quem poderá tomar decisões sobre seus cuidados médicos caso não tenha condições para tal.

O ideal é que seja registrado em cartório, mas de qualquer forma, essas instruções podem ser transmitidas pelo paciente diretamente à equipe médica quando possível, que o auxiliará, explicando termos, procedimentos, sem contanto, buscar convencer o paciente na tomada de decisões.

Pensar sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade pode não ser fácil, pois para isso, é necessário olhar para o fato de que a finitude é uma certeza. Mas ela pode dar ao paciente, o controle sobre muitos aspectos de seu tratamento.

Falamos um pouco antes sobre a questão que pode surgir em alguns casos e determinadas situações, de contar ou não ao paciente sobre a gravidade de sua doença. Ao pensarmos então sobre o Testamento Vital, podemos perceber que o bom entendimento de seu prognóstico por parte do paciente, pode fazer com que ele tenha um certo controle, como dito, e compreensão da equipe do que é esperado pelo paciente caso necessário.

A comunicação, de forma geral, é um pilar importante na vivência do luto antecipado. Ela permite que todos os envolvidos possam estar “na mesma página” e bem informados da situação. Da mesma forma, permite que a família se articule na reestruturação familiar que precisará ser feita após a morte da pessoa que amam. A comunicação também é importante para compreender as vontades do paciente em relação aos seus momentos finais e após a sua morte. Aqui, vamos um pouco além das Diretivas Antecipadas de Vontade e podemos pensar em questões mais subjetivas, como falamos no segundo episódio: quem estará próximo nos momentos finais, como a pessoa deseja que o ambiente esteja – com uma música, com orações, – como quer que sejam os rituais de despedida, o que será feito de seu corpo após a morte.

Existem tanto outros pontos importantes para serem cuidados nessa vivência, como a necessidade de dar espaço para viver a tristeza que a situação traz, para expressar sentimentos sem julgamentos.

É importante ter uma rede de apoio forte, tanto para o paciente quanto para a família e cuidador. A rede de apoio pode ter uma grande impacto na vivência desse período.

Um olhar integral, precisa ser dispensado à todos: paciente, cuidador e família, em relação a suas saúde física e mental, sobrecarga emocional, esgotamento, ansiedade, depressão e tantos outros sintomas e respostas que podem advir a partir desse luto.

Os cuidados preferencialmente deveriam ser feitos por equipe de cuidadores, ainda que essa equipe seja a própria família que reveza nos cuidados.

Pode ser muito benéfico o envolvimento em atividades que façam sentido, seja dança pintura, crochê, academia, corrida, leitura, jogos de tabuleiro, de acordo com as possibilidades de cada um, claro. Todos precisam ser cuidados, em todos os âmbitos, lembra?

Permitir ritualizações de despedida pode ser muito importante, tanto para o paciente, família e outros envolvidos, como visitar um lugar que é importante, receber visitas de pessoas que ama, realizar um sonho, elaborar questões sobre a finitude – a sua e das pessoas amadas.

É importante buscar compreender os sentimentos e desejos da pessoa que se encontra doente. Vou contar um pouquinho sobre um filme, chamado “Pronta para amar” que traz a história de Marley, uma jovem que no ápice de sua carreira, precisa enfrentar o diagnóstico de um câncer já metastático, e ele traz alguns exemplos disso, sendo que um me chama a atenção: a mãe, pensando no que seria melhor para a filha – a partir daquilo que ela acredita ser melhor, sem pensar realmente, na filha, prepara um bife para a moça, que é vegetariana.

Então a família e cuidadores precisam olhar para o paciente como um todo. Não olhar somente a doença. Ele é uma pessoa, que precisa de outros cuidados hoje, mas é a pessoa que você ama.

A vivência da espiritualidade pode ser muito benéfica para todos, e espiritualidade não tem a ver, necessariamente com religiosidade, tem mais a ver com aquilo que traz sentido para a vida, senso de propósito, que amplia sua consciência, que traz fé.

Pode ajudar a dar novos significados à essa vivência, ajudar na compreensão da finitude, podendo ser considerado um dos recursos de enfrentamento que podem ajudar a viver o enlutamento antecipatório e o concreto de forma mais saudável.

Há alguns anos, assistindo uma aula da Dra. Glaucia Tavares ela disse uma frase que me marcou muito e reflete um tanto do que trouxe para vocês nesses episódios em que falamos sobre sobre cuidado e espaços para viver o que precisa ser vivido:

Que a gente possa aproximar sem invadir e afastar sem abandonar.

Glaucia Tavares

Como ter ajuda?

Se você está percebendo que precisa de ajuda, se está muito difícil, mais uma vez te digo,
busque ajuda, O Memorial Vale da Saudade pensando em como ajudar na coletividade conta com programas de apoio ao enlutado mensalmente, portanto, se você ou um ente querido está vivenciando essa dor pela perda de alguém que você muito ama saiba mais sobre nossos programas clicando aqui.

Objetivando o acesso a todos que não podem escutar nosso podcast, extraímos o texto para melhor aproveitamento daqueles que preferem a leitura. Caso se interesse por escutar o podcast Vale Lutar, você encontrará nas plataformas Spotfy, YouTube Music, Deezer e Amazon Music

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Quais outras possibilidades você acredita que podem ajudar alguém a viver o luto antecipatório de forma mais saudável?

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