Memorial Vale da Saudade

A dor maior

A perda de um filho é uma vivência desafiadora para mães e pais. Aqui buscamos falar sobre o conceito de mundo presumido, sobre os lutos secundários e a necessidade de readequação de papéis na família e o papel do tempo nessa vivência. O tempo cura?

Um projeto do Memorial Vale da Saudade, apresentado por Priscila Gauna

Texto do episódio

Quero deixar aqui uma nota: vocês vão ler muito sobre “o filho”. Aqui não estou falando de
alguém do sexo masculino. É somente uma forma de facilitar a narrativa para que não fique
cansativo ouvir o tempo todo o filho ou a filha.

Já ouvi e li diversas vezes sobre a dor de perder um filho. Algo que mães e pais trazem com
frequência é a compreensão da perda do filho como a dor maior que alguém pode sentir na
vida. Não é de se estranhar que seja assim.

Quando falamos sobre a morte de um filho, muitas vezes uma questão vem à tona. A
percepção da inversão da ordem natural da vida. É difícil aceitar a ideia de um filho morrer
antes de seus pais. Mas a verdade, é que essa ordem natural simplesmente não existe. Para a
morte, esse mistério até hoje incompreendido em sua plenitude, não existe diferenciação. Ela
acontece.

Em nossa vida, vivemos o conceito de mundo presumido. De forma muito simplificada, esse
conceito fala sobre a forma como temos algumas coisas como certas em nossa vida. O mundo
que a gente conhece e também aquele se abre em nossa frente. O futuro carrega nossos
planos e tudo aquilo que esperamos e acreditamos que vamos viver.

Veja bem, nós sabemos que a morte acontece, que a segurança em relação ao futuro não
existe exatamente da forma como queremos que seja. Mas esse mundo presumido nos ajuda a
viver de forma saudável. Imagine como seria viver o tempo todo com muito medo do próximo
minuto pelo simples fato de não sabermos o que vai acontecer? Não dá.

Mas quando a morte de um filho chega, esse mundo presumido desaba. Aquilo que é
conhecido deixa de ser. O mundo mudou, agora é um mundo sem o filho.

O filho costuma ser uma parte muito importante da vida e da rotina dos pais, principalmente até
o fim da adolescência, início da vida adulta. Como se esperaria de uma mãe ou um pai, cujo
filho era parte tão central de suas vidas, que supere o luto?

Algumas pessoas costumam relatar a crença de que nunca vão superar o luto pela morte do
filho ou da filha. Eu concordo. Luto não existe para ser superado. O luto precisa ser vivido,
trabalhado e elaborado. Mas ele sempre estará lá, em algum lugar dentro de você.

É importante pensarmos sobre a questão dos papéis desempenhados. Quando o marido morre,
a esposa fica viúva. Quando os pais morrem, a pessoa fica órfã. E qual o nome dado para pais
que perdem os filhos? É a dor que não tem nome.

Quando um filho morre, pode acontecer a perda de um modo de existir. A depender da
composição familiar, se não existem outros filhos, o papel de mãe e o papel de pai também
morrem?

Falta o filho e sobra o papel de mãe ou de pai. “Quem sou eu agora?”

Pode haver uma confusão nestes papéis. “Como posso ser mãe sem minha filha? Como posso
ser pai?” Mãe, você não deixou de ser mãe. Pai, você também não deixou de ser pai. O que
mudou é a forma como a maternidade e paternidade serão vividos. E isso não é pouca coisa. Mas vocês sempre serão pais do filho ou da filha que morreu. Essa
história ninguém pode tirar de vocês.

Ainda que existam outros filhos, cada relação é única. É impossível substituir um filho com
outro. E se você teve três filhos e um, infelizmente, faleceu, você continuará sendo mãe ou pai
de três filhos.

Algumas mães dizem como se fosse amputação de uma parte do próprio corpo. E seria
diferente?

Com o luto, chega o momento de precisar aprender a viver com o filho vivo dentro de si, a partir
das memórias que vocês construíram juntos, a partir do amor que existia nessa relação entre
você e seu filho, ainda que com essa ausência que está presente o tempo todo.

O luto pela perda de um filho também traz em si outras diversas perdas com que os pais
precisam lidar. Existe a promessa de um futuro que não será realizada. Os sonhos que os pais
tinham para esse filho. Os sonhos do próprio filho. Existem histórias que não serão vividas,
marcos de vida que não acontecerão. Muitas vezes há a perda de perspectivas em relação ao
futuro. Há o luto pelo próprio papel de pai ou mãe que muda, que precisa ser adaptado.

Será necessário que aconteça reajustamentos interno e externo dos pais, tanto em níveis
individuais quanto familiar. Em relação a reajustamentos internos, falo sobre a perda em si, a
esse buraco que ficou no peito, em se adaptar a essa nova vida e a esse novo papel. Os
reajustamentos externos se dão a partir da necessidade de adaptação prática à nova vida. As
horas do dia ficam diferentes, as tarefas mudam, é necessário lidar com as pessoas no dia a
dia, instalar novas rotinas. E ainda vivenciando o luto. Tudo isso exige muito trabalho e pode
ser muito cansativo. Mas é importante que aconteça com o tempo.

As formas de viver e compreender o luto variam de pessoa para pessoa e dependem de fatores
como história de vida e de perdas anteriores, da qualidade da rede de apoio, de como era o
vínculo com o filho, do papel que esse filho ocupava na vida do pai e da mãe, de como o pai e
a mãe encaram o tema da morte, tanto de forma objetiva quanto espiritual, quais as crenças de
cada um, por exemplo, as crenças de um ateu é diferente das de um espírita ou católico que
também é diferente de um evangélico. Depende também de qual foi causa da morte, se foi
rápida, doença prolongada, se foi violenta ou não.

O luto é uma experiência muito individual, e cada pessoa vive seu luto da sua forma. A dor é
experienciada por cada um de forma diferente. Então pensando no contexto de um casal cujo
filho morre, a experiência de cada um dentro da mesma casa, será diferente.

Muito se fala sobre o papel que o tempo tem nessa vivência do luto, mas o tempo não tem o
poder de curar. Um bom trabalho de luto, esse sim, pode te ajudar a elaborar e trazer novos
significados para sua história.

Se você sente que precisa de espaço para sua vivência, o Cemitério Memorial Vale Lutar conta
com o grupo de apoio online, que está de braços abertos para te acolher.

Como ter ajuda?

Sabemos que passar pelo luto é muito desafiador, O Memorial Vale da Saudade pensando em como ajudar na coletividade conta com programas de apoio ao enlutado mensalmente, portanto, se você ou um ente querido está vivenciando essa dor pela perda de alguém que você muito ama saiba mais sobre nossos programas clicando aqui.

Objetivando o acesso a todos que não podem escutar nosso podcast, extraímos o texto para melhor aproveitamento daqueles que preferem a leitura. Caso se interesse por escutar o podcast Vale Lutar, você encontrará nas plataformas Spotfy, YouTube Music, Deezer e Amazon Music

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Você acredita que o tempo tem o poder de curar/resolver o luto?

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